"Que Horas Ela Volta?" e a comunicação organizacional
Assisti pela segunda vez ao filme de Anna Muylaert, “Que Horas Ela Volta?”, exibido em canal aberto de televisão pela Rede Globo, no último dia 11 de janeiro. A primeira vez que assisti, no cinema, fiquei em estado de choque, presa na cadeira um tempão, sem conseguir me levantar quando o filme acabou. Refletia, entre outras coisas, sobre quantas e quantas vezes já não havia presenciado cenas semelhantes, quantas e quantas vezes já não havia pensado e agido como a patroa da Val na história. E, principalmente, me perguntava: por que temos que conviver com essa troca de papéis, passando para outras mães cuidarem dos nossos filhos, num movimento em cascata, já que, para cuidarem dos filhos das patroas, as empregadas precisam repassar para alguém a criação de seus próprios filhos? Mas deixo para o filme a tarefa de levantar a polêmica sobre as desigualdades sociais que enfrentamos no país. Vou me ater aqui a uma análise conceitual dentro do mundo da comunicação organizacional.
Assim, ao assistir pela segunda vez, já vacinada pelo impacto anterior, passei a analisar o filme à luz do que venho estudando no campo da antropologia social, e dentro deste campo, a cultura brasileira e sua relação com o mundo das organizações. E, claro, tendo a comunicação organizacional como princípio, meio e fim do meu foco de análise.
Entre outros pontos importantes, o filme mostrou com muita competência um traço da cultura do brasileiro que é a ambiguidade que existe nas mensagens que trocamos entre nós, e que aparece de forma mais evidente nas relações de trabalho, entre líderes e liderados. Em uma das passagens, a empregada Val repreende a filha Jéssica por ter aceitado o convite dos patrões para se sentar à mesa com eles, comentando: “eles convidam por educação, já sabendo que a gente não vai aceitar”. Pelo desenrolar da história, a única pessoa que não estava ligada nesse detalhe era a Jéssica, que interpretou as palavras do convite ao pé da letra e achou que poderia se considerar, de fato, “como se fosse da família”, algo que depois não se sustentou.
Mensagens ambíguas são típicas de culturas de alto contexto, onde existem regras não escritas e onde, portanto, deve-se considerar não só a informação dita ou escrita, mas também outras influências periféricas, como o estado ou idade das pessoas envolvidas, o ambiente, o nível social e a linguagem corporal. O antropólogo americano Edward Hall foi um dos primeiros estudiosos a perceber a forte ligação que existe entre cultura e comunicação, ao apresentar a teoria do baixo e do alto contexto nas relações interculturais. Sob o olhar dessa teoria, podemos concluir que o Brasil é um país de alto contexto, pois nem sempre o que é dito é exatamente aquilo que é para ser entendido, ou seja, a mensagem principal está muito mais no contexto do que nas palavras propriamente ditas.
Por isso, no mundo do trabalho, convivemos com essa ambiguidade na comunicação; por isso é que existe tanta falta de clareza na comunicação das decisões; por isso, as regras – que nem sempre são explícitas – deixam margem de manobra para aqueles que ocupam posição de poder. Este costuma ser o ambiente corporativo com o qual convivemos no dia a dia de trabalho.
E o que nós, profissionais de comunicação corporativa, podemos fazer para sermos bem-sucedidos em nosso trabalho?
Bem, não existem receitas milagrosas que ensinem o passo a passo de como fazer uma comunicação organizacional eficaz em todas as empresas. O que podemos e devemos fazer é manter sempre um olhar crítico sobre os desafios comunicacionais que nos são lançados no dia a dia das organizações. Em artigo anterior, publicado em 2 de junho de 2015 nesta coluna, sob o título “Cultura e comunicação: evite as armadilhas”, eu já fazia um alerta aos comunicadores para ficarem atentos à parte invisível do iceberg, (onde o iceberg representa a cultura organizacional), permanecendo atentos para não tomar por definitivos valores manifestos, oriundos de idealizações ou racionalizações que muitas vezes ocultam os valores reais.
Ser um estrategista em comunicação organizacional significa saber ler cenários e conhecer em profundidade a cultura da empresa para não cair em interpretações precipitadas e gerar mensagens que possam ser rapidamente desconstruídas por quem souber ler nas entrelinhas do que não é dito. Afinal, antes de tudo, devemos evitar que as mensagens oficiais da empresa caiam em descrédito por não terem aderência aos reais propósitos da organização.
Referências:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Que_Horas_Ela_Volta%3F
HALL, Edward T. The silente language. Anchor Books Edition, New York: Doubleday, 1973.
PRAGANA, Denise: Cultura e comunicação: evite as armadilhas. http://www.aberje.com.br/acervo_colunas_ver.asp?ID_COLUNA=1489&ID_COLUNISTA=118
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
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