O impasse [e a beleza] dos sentidos: engajamento ou construção de vínculos?
“[…] o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela
quando se põe a projetar marés vivas pelo espaço fora,
ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições”
(SARAMAGO, 1997, p.135).
De uns tempos pra cá me tornei um pouco exigente demais com as palavras, confesso. Talvez o aprofundamento em temas que envolvem produção de sentido e comunicação tornaram-me sensível aos seus múltiplos sentidos [e impactos]. Sentir palavras virou hábito, vício que, em alguns casos, avança para ‘implicâncias’ [no sentido de certa repulsa, aversão].
As ‘implicâncias’ nascem, sobretudo, do visível esvaziamento de termos e expressões adotadas comumente pelo discurso empresarial. Palavras repletas de sentido e significado que, ao serem repetidas sem o compromisso com seus sentidos múltiplos, plenos, disfarçam realidades distantes daquelas construídas simbolicamente pelo próprio discurso [vazio].
É o que tenho visto acontecer, por exemplo, com expressões como: responsabilidade social corporativa, desenvolvimento organizacional, governança, inovação, empreendedorismo, estratégia, e tantas outras. Com frequência, lá estão elas, combinadas em frases de impacto, proferidas em momentos oportunos, com tom convincente, realista, aparentemente verdadeiro, quase comovente. Como cortinas [ou tapumes], por vezes, escondem um conjunto de antônimos [silenciados, esquecidos].
Minha implicância mais recente nasceu quando estava preparando o conjunto de ideias que apresentei no 3º Congresso de Comunicação Empresarial Aberje – Rio Grande do Sul, realizado em outubro, que discutiu a Comunicação integrada e efetiva – os desafios de engajamento em momento de crise.
Engajamento é a menina dos olhos da vez dos discursos voltados à relação: organização-suas pessoas. Curiosa [e um tanto incomodada] com sua repetição desmedida em espaços, textos, falas, fui atrás de suas origens, de seu passado, e, confesso, me surpreendi. Compartilho com vocês o que encontrei.
Etimologicamente, engajamento vem do francês engager [EN, “fazer” + GAGER, “compromisso, garantia”], ou seja, significa dar em garantia, dar como caução. No francês medieval tinha sentido de sob compromisso, sob promessa. No século XII, era utilizada como garantia por meio de documento ou dinheiro, uma espécie de contrato para prestação de serviços (Houaiss e Villar, 2001).
Também foi uma expressão bastante comum no âmbito militar, como sinônimo de alistamento. Diversos dicionários apresentam, ainda hoje, o verbo engajar com o sentido de contratar indivíduo para determinado serviço, aliciar para determinada atividade, alistar-se nas forças armadas. Foi a partir do século XX que a expressão passou a designar comprometimento com algo, uma causa.
Passei a perceber que, em muitos casos, seu uso [por trás da cortina, nos bastidores das organizações] carrega essa relação de troca por conveniência, por retribuição, distante do sentido de doar-se por paixão, de valorização dos sujeitos. Então, me questionei: que palavra usar quando queremos, realmente, falar de relações humanizadas, afetuosas, coerentes e verdadeiras entre organizações e suas pessoas? [sim, apesar das implicâncias, acredito que isso é possível].
Então lembrei de uma das reflexões que me propus na tese de doutorado: compreender as organizações como lugares de vínculos. [Vínculo! Eis uma possível solução para o que se busca dizer com engajamento!] Vinculo vem do latim vinculum, que quer dizer atadura, união duradoura. Na psicanálise, a expressão também faz referência a uma forma de ligação relacional-emocional entre duas partes que se encontram unidas e inseparáveis, apesar de suas fronteiras estarem claramente definidas (Zimerman, 2010).
Organizações que buscam ser lugares de vínculos nascem de espaços que possibilitam, motivam, estimulam a interação, diálogo, as relações, lugares abertos à comunicação, pois comunicar-se é, como diz Baitello (2008) “criar ambientes de vínculos”. Ele defende que somos predispostos a favorecer ambientes que nos possibilitam realizar vínculos, e são eles que nos permitem sobreviver apesar das carências e fragilidades. Isso porque somos seres de incompletudes e dependentes desde o nascimento, e nossa sobrevivência depende dos vínculos que realizamos ao longo da vida. Diante disso, confirmei minha preferência em pensar as relações organizacionais na perspectiva da construção de vínculos, no lugar das afamadas ‘estratégias de engajamento’.
Alguns acharão que tudo isso é preciosismo, eu sei. Mas estudar e [re]pensar constantamente a comunicação me fez despertar para a necessária responsabilidade com os sentidos que cada ato comunicacional gera, produz, emana, faz sentir. E vejo em nós, profissionais de comunicação, o compromisso de, pelo menos, contestar discursos descompromissados, incoerentes, irresponsáveis e descontrui-los, sempre que possível. Afinal, se não formos nós os cuidadores das palavras, dos sentidos, da comunicação, quem o será? Antes sermos ‘implicantes’ e cuidadosos, que indiferentes e superficiais.
Referências
ZIMERMAN, David E. Os quatro vínculos: amor, ódio, conhecimento, reconhecimento na psicanálise e em nossas vidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.
BAITELLO JR., N. Os meios da incomunicação. A outra face, demasiadamente humana, dos vínculos. In: BAITELLO JR., N., CONTRERA, Malena S, MENEZES, José E. de O. Os meios da incomunicação. São Paulo, Annablume, 2005, p. 9-11.
SARAMAGO, José. Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1413
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