Uso de tecnologias na convivência social: maravilha ou armadilha?
A tecnologia e as redes sociais estão integradas de tal forma ao nosso cotidiano que regras como “não usem celular” ou “é proibido filmar ou fotografar” soam como uma afronta ou um conservadorismo desnecessário.
Mas três situações podem nos ajudar a refletir melhor sobre os nossos hábitos atuais.
Imagine que você é um professor de ética de um curso de graduação. Na primeira aula do semestre, um aluno pede para gravar o áudio de suas aulas, para poder estudar em casa. Por precaução e por princípios, você decide negar o pedido dele e explica o porquê. Mas, em certa aula, percebe que o aluno está com o gravador ligado durante sua explicação.
Agora, considere que você é o líder de uma equipe e, em uma reunião, indica aos poucos presentes que haverá mudanças significativas na estratégia da área, mas ressalta que isso ainda não está confirmado. No dia seguinte, seu superior o chama para uma séria conversa e reproduz um áudio com um trecho de sua fala na reunião do dia anterior, na qual ele não estava presente. Intrigado, você fica sabendo que ele recebeu o áudio via Whatsapp.
Por último, coloque-se no lugar de um palestrante que se apresenta para uma plateia de mais de cem pessoas. Você prepara sua mensagem com bastante cuidado para que não haja mal-entendido e usa diferentes tipos de argumentos para sustentar seu ponto de vista. Durante sua explicação, você vê pessoas tirando fotos de seus slides, gravando trechos e escrevendo incessantemente no smartphone. Minutos depois de concluir sua apresentação, você acessa as redes sociais e já há inúmeros posts sobre o que foi falado, com diversas distorções de sentido.
Essas situações são exemplos reais de como a tecnologia e as redes sociais podem ser uma armadilha tanto para a convivência saudável e ética em sociedade quanto para a forma de ouvir e compreender as informações às quais temos contato rotineiramente.
No caso do professor e do líder, há uma falta de ética ao gravar a fala de alguém sem seu consentimento, com impactos mais ou menos diretos à imagem de quem comunica. No caso do palestrante, o foco da plateia mais parece compartilhar rapidamente o que está acontecendo naquele exato momento e publicar frases descontextualizadas, do que, primeiro, compreender a mensagem e, depois, gerar repercussão nas redes sociais.
Essa total integração da tecnologia em nosso cotidiano, portanto, nos impõe grandes desafios relacionados à ética e à convivência. O intuito não é que sejam criadas regras ou proibições para lidar com eles, mas que todos nós sejamos mais conscientes e responsáveis por nossos atos e que possamos repensar as formas de convivência social num cotidiano superconectado.
Para isso, vale o alerta feito por Tom Chattfield, autor do livro “Como viver na era digital”. Para ele, estamos tão sedentos por estar conectados que vivemos presos ao presente, ao anseio de compartilhar “o que estamos fazendo”, sem ao menos ter tempo de filtrar o que foi dito por alguém ou avaliar o impacto de replicar uma informação, por escrito ou em áudio. E essa saturação do presente é intensamente acompanhada de estresse, ansiedade e perda de controle. O nosso esforço diário para lidar com essa situação é começar a reconhecer que, sem a habilidade de dizer sim ou não para o uso da tecnologia, corremos o risco de transformar essas maravilhas em armadilhas.
É tempo de repensar nossas práticas em um mundo tão integrado com a tecnologia. Você está disposto a isso, pelo seu próprio bem e de suas relações interpessoais?
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