Como um mundo de gente trabalha para que as histórias pessoais mudem nosso jeito de ver e viver o mundo
Acabo de chegar da 6ª conferência internacional de digital storytelling realizada no estado de Massachussets, EUA. O encontro aconteceu em quatro universidades diferentes da região conhecida como Vale dos Pioneiros (SMITH College, UMASS AMHEARST, FIVE College Consortium e Mount Holyoke) e reuniu mais de 200 pessoas que atuam em universidades, ONGS e setores públicos e privados com storytelling.
A primeira conferência sobre digital storytelling aconteceu há cerca 20 anos atrás, com a presença de alguns poucos pioneiros que começavam a desenvolver trabalhos que envolviam narrativas pessoais e as novas plataformas digitais. Joe Lambert, sua mulher Nina, o artista Dana Asthley e sua mulher Denise estavam entre os participantes, dando início ao Centre of Digital Storytelling (www.storycenter.org).
O método desenvolvido pelo grupo de Lambert foi disseminado e apropriado por diversos países, dentre eles Inglaterra, África do Sul, Suécia, Itália, Japão e Brasil, por meio de uma frutífera e longa parceria com o Museu da Pessoa. A ideia de que narrativas pessoais são uma forma poderosa de transformação social e pessoal veio permeando todas as iniciativas desde então. Podemos destacar, por exemplo, um projeto de mais de 7 anos liderado pela BBC, que desenvolveu workshops na região de Wales, transformando as histórias digitais em um programa nacional. Na Austrália, todo um museu – Australian Centre for Moving Image – disseminou o método por todo o país envolvendo comunidades autóctones, imigrantes e populações diversas.
A prática foi também adotada por ONGs e universidades que passaram a desenvolver pesquisas sobre o potencial acadêmico da iniciativa. No Brasil, o Museu da Pessoa, em parceria com mais de 50 organizações de juventude, criou um movimento nacional “Hum Milhão de Histórias de Vida de Jovens” com o objetivo de promover o protagonismo juvenil. Mais de 3 mil histórias foram realizadas pelos próprios jovens em todo país.
Afinal, o que é Digital Storytelling?
Este movimentou tem início nos EUA nos anos 1970, 1980, quando artistas e educadores buscavam democratizar a arte como forma de manifestação que transcendesse o âmbito dos artistas profissionais. Na década de 1990, as mídias digitais ofereceram novas possibilidades de experimentação e pesquisa. Um grupo de artistas e designers de São Francisco começou a explorar de que forma essas mídias poderiam servir para valorizar as histórias pessoais.
Joe Lambert, sua mulher Nina Mullen e Dana Ahstley desenvolveram as bases do método que, ao longo dos anos, foi disseminado para mais de 1000 organizações em todo mundo. O método constitui-se, basicamente, de um workshop intensivo de 3 dias, durante os quais os participantes compartilham suas histórias pessoais em círculo (storycircles) e desenvolvem roteiros que, com o uso de programas de edição de vídeo, agregam imagens e sons.
O resultado é uma história digital, com a duração média de 3 a 5 minutos, narrada pela própria pessoa. O poder do método é impressionante. O círculo de histórias envolve o grupo e o processo de constituição da história realizado pelo próprio participante com ajuda de um facilitador -- é uma imersão na própria vida. Os resultados são lindos e envolventes.
Destaques da Conferência
Alguns painéis – dentre os mais de 50 de toda conferência – me chamaram muita atenção. Entre eles a sessão dedicada a digital storytelling e saúde pública, na qual Kim Anderson, da Universidade de Missouri, fez uma apresentação comovente que mostrou o papel de histórias digitais no suporte para superação de traumas no tratamento de crianças que sofreram abusos sexuais. As histórias, feitas pelas próprias crianças, são comovedoras e profundas.
Em outro painel, um jovem iraniano, Nima Dehghani, da Carnegie Mellon University, mostrou como desenvolveu fantoches que possuem um sistema de captação e apresentação de vídeos para levar e trazer histórias de emigrantes iranianos por todo o mundo.
Grande parte das sessões focou no uso das histórias digitais para promover o ativismo juvenil. Destaque para a plataforma desenvolvida pelo YoungWriters Project que, ao longo dos últimos 10 anos, reserva um espaço digital para que jovens de todo mundo criem e compartilhem suas histórias em vídeo, texto e imagem. Especialistas comentam as histórias e fazem sugestões. A plataforma serve como um grande suporte de desenvolvimento pessoal e artístico dos jovens em todo mundo.
Outro projeto fascinante foi o desenvolvido pelo próprio Joe Lambert e sua recém-descoberta filha, que havia sido adotada por uma família mexicana há mais de 40 anos. Depois do reencontro, os dois realizaram um crowdfunding para percorrer uma região extensa dos Estados Unidos, fazendo entrevistas e desenvolvendo workshops sobre os novos tipos de família do mundo moderno. A história digital que produziram em conjunto é comovente.
O Museu da Pessoa participou de inúmeros painéis. Entre eles, a apresentação do programa StoryA (Story Abroad), financiado pelo fundo Erasmus, da União Europeia, do qual participa com outras 8 organizações ao redor do mundo. O projeto promove workshops com jovens que fizeram viagens ao redor do mundo para que eles contem suas histórias e reflitam sobre as transformações pelas quais passaram depois dessa experiência. O objetivo é analisar como a mobilidade e o encontro de culturas diversas impacta os jovens e agrega conhecimento. O encerramento do programa acontecerá em março de 2016, em um encontro na África do Sul.
Além de uma pequena palestra na Universidade de MountHolyoke sobre o Museu da Pessoa, participei do encerramento da conferência no qual, ao lado de Oriana Jara, fundadora e diretora do Projeto Presença de América Latina (PAL-ONG), contei como a tecnologia social de memória, desenvolvida pelo Museu da Pessoa, foi disseminada por Oriana e sua organização para grupos de mulheres latino-americanas, resultando em livros e tornando-se política pública no Uruguai.
Saí de lá de alma lavada e preenchida por ter visto a potência do uso e valorização das histórias de vida podem trazer ao mundo. Um mundo cheio de ruídos e conflitos e repleto de mídias, no qual o Facebook pode ser considerado o McDonald’s das histórias pessoais, me emocionou muito poder estar entre pares e compartilhar do mesmo entusiasmo e fascínio que ativistas, professores, artistas, jornalistas, media makers e lideranças comunitárias possuem pelo ser humano. Pelo puro humano revelado em toda sua simplicidade e beleza nas histórias, sejam elas digitais ou não.
Para ver mais:
Sobre a conferência e o programa http://dst2015.org/
Sobre o Storycenter fundado por Joe Lambert http://www.storycenter.org/
Sobre o programa StoryA e a colaboração internacional
https://facebook.com/StoryAbroad?_rdr=p
Sobre o Young writers project http://youngwritersproject.org/
Sobre o Real Family Project http://real-family.org/
Confira a coleção de histórias produzidas por jovens brasileiros no workshop realizado pelo Museu da Pessoa em julho e agosto deste ano http://www.museudapessoa.net/pt/conteudo/colecao/programa-story-a-105648
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 2506
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