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COLUNAS


Karen Worcman


Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense/RJ, com mestrado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/RJ. Fundadora do Museu da Pessoa, um museu virtual de histórias de vida, fundado em 1991. É fellow da Ashoka Empreendedores Sociais desde 1999, instituição que identifica e apoia globalmente projetos de ação inovadora e de amplo impacto social em todo o mundo, como o Museu da Pessoa. Desde 2004, Karen também é membro do Global Fellowship Team da Ashoka, com foco em estratégias de ampliação do impacto social da organização por meio do fortalecimento da rede de fellows. É também parte do board do Program Committee for Museums and the Web, do board do Portal Ourmedia.org e dos Conselhos das Organizações Observatório da Imprensa e do Instituto Avisa Lá.

Sobre Mad Man e o Ceará

              Publicado em 29/09/2014

Tenho que confessar: descobri as séries televisivas e me viciei. Comecei com Downtown Abbey, que traça os dramas de uma família aristocrática inglesa ao longo do século XX; passei para House e atualmente me delicio com Mad Man, uma série sobre os publicitários americanos no pós-guerra. O que mais me chama atenção nas séries, além de serem muito bem-feitas, é a forma com que os personagens “vivem”, sem dúvida alguma, seus momentos históricos. Os homens e as mulheres fumam sem parar, de manhã, de tarde e até no meio da noite. As mulheres grávidas servem café da manhã aos seus filhos com cigarro na boca. Todos compartilham da ideia de que fumar é bom, sensual e parte inquestionável desse modus vivendi. As mulheres, por sua vez, ou são esposas ou secretárias. Duas cenas surpreendem: o marido discute com um psiquiatra as sessões de sua mulher, como se ela fosse uma criança, e os chefes “tomam” suas secretárias como amantes. As cenas causam um estranhamento surpreendente. As mulheres não se revoltam, nem mesmo existe a noção de que algo “deve” mudar. E me pego pensando: como elas podem suportar ser humilhadas desse jeito? Será que não vão se revoltar? E será que eles não sabem que vão morrer de tanto fumar?

Mas o interessante é que esse modo de viver é entendido como “bom”, “saudável”, “moderno” e, sobretudo, “anticomunista”! Os personagens, obviamente, não percebem o absurdo de seus tempos históricos e os vivem como se fossem esses a única e eterna realidade possível. 

E me volto para o Hemisfério Sul. Acabo de ver uma série de vídeos editados de histórias de vida registradas pelo Museu da Pessoa recentemente no Ceará, de pessoas que também viveram nos anos 60. Seus depoimentos são parte de um projeto de preservação de saberes das comunidades impactadas pela implantação da siderúrgica da Companhia Siderúrgica do Pecém. O empreendimento é portentoso e tem uma inovação nas suas ações de compensação social. Por meio de um programa denominado Interagir, a CSP investiu uma soma significativa para dar à compensação social o mesmo peso da compensação ambiental. Liderados pela Dialog Consultoria, várias consultorias e ONGs atuam, de forma orquestrada, para dirimir o impacto do empreendimento e constituir um modelo de autossustentabilidade para os territórios envolvidos.

O trabalho do Museu da Pessoa é registrar as histórias das pessoas que pertencem às comunidades/famílias realocadas em São Gonçalo do Amarante e Caucaia (incluindo duas comunidades indígenas e duas comunidades quilombolas). O conteúdo será transformado em material didático e incorporado em programas de educação, além dos vídeos e das histórias tornarem-se parte de uma publicação e eventos que serão realizados nas próprias comunidades. As histórias são surpreendentes! Revelam um Brasil profundo, duro, desigual.

Mas, tal qual em Mad Man, são narradas pelas pessoas (dessa vez reais, não personagens de uma série americana) com grande “naturalidade”. São histórias que trazem violência, analfabetismo, trabalho infantil como, por exemplo, a história de Raimunda Cruz do Nascimento, curandeira, nascida em 1947 em Croatá, que narra, com orgulho, como ajudava a mãe a quebrar pedras quando pequena.

Ao ouvir essas narrativas, me surpreendo de novo. Não com a conhecida miséria e desigualdade da sociedade brasileira. Mas com a naturalidade com que ela é e foi vivida. E, por algum motivo, me lembrei dos cigarros de Mad Man. Me fez pensar em como estamos sempre embrenhados em nossos momentos históricos como se fossem eternos e únicos. E como nos esquecemos, com tamanha facilidade, quão absurdos eles podem ser. Nossas certezas nos cegam e, envoltos em nossas casas de papel, somos capazes de passar toda a nossa vida sem um único olhar de estranhamento e indignação. 


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