Cultura e comunicação: evite as armadilhas
Quanto mais eu pesquiso, reflito e escrevo sobre a relação que existe entre a comunicação e a cultura organizacional das empresas mais eu me convenço de que este é, sem dúvida, um dos grandes atalhos para a tão almejada atuação estratégica do comunicador empresarial. Mas é preciso tomar cuidado para não cair nas armadilhas corporativas que podem gerar efeitos desastrosos.
Não é raro encontrar profissionais de comunicação que acham que cultura organizacional é assunto do RH ou de qualquer outra área da empresa, menos da comunicação. Na minha modesta visão este é um grande equívoco. Independente da definição escolhida para o termo - existe uma discussão entre os autores do tema se cultura é o que a empresa tem ou o que a empresa é-, o mais importante é conhecê-la a fundo, indo além do superficial, e descobrir quais são os pressupostos básicos que a sustentam para ter os alicerces seguros para planos de comunicação certeiros.
Mas o que são os pressupostos básicos de uma cultura? Para explicar melhor, pego carona na teoria de um dos mais consagrados autores de cultura organizacional, Edgar Schein, que defende que a cultura de uma organização se manifesta em três níveis: o nível mais superficial dos artefatos visíveis; o nível intermediário, onde encontramos as crenças e os valores compartilhados; e, finalmente, o nível mais profundo, e muitas vezes inconsciente, dos pressupostos básicos. Esses três níveis se interconectam num fluxo de realimentação contínua entre eles.
Na camada dos artefatos visíveis está tudo o que a organização mostra, como por exemplo, o layout da fábrica ou do escritório, a forma como as pessoas se vestem, os rituais organizacionais, enfim, é a ponta do iceberg. Na camada intermediária estão os princípios e valores compartilhados internamente, que podem variar de significado dependo da categoria à qual o profissional esteja ligado. Por fim chegamos ao nível mais profundo da cultura organizacional, onde estão os pressupostos básicos, difíceis de decifrar, pois nem sempre são tão óbvios, mas que expressam a razão de ser central de uma organização.
Vamos usar o exemplo de um hospital fictício. Podemos inferir que, para um hospital, a vida humana é o seu maior valor. Esse é o seu pressuposto básico (camada profunda da cultura). Para um médico cirurgião, esse pressuposto pode ser traduzido no valor “precisão” ou “audácia” ao realizar uma cirurgia. Se buscássemos, no entanto, o significado que uma enfermeira daria a esse mesmo valor, podemos pensar em algo como a importância do “cuidado”, da “assistência” e da “devoção” ao paciente. Portanto, vemos que os valores compartilhados derivam do pressuposto básico e que podem variar seu significado, dependendo da atividade exercida pelo funcionário. E como tudo isso poderia estar expresso nos artefatos visíveis? No atendimento prestado aos pacientes e seus acompanhantes, na refeição, na arquitetura do hospital, na limpeza e nos demais itens visíveis.
Agora podemos voltar ao inicio do artigo onde eu mencionava que a cultura organizacional tem tudo para ser um dos grandes atalhos para o comunicador atuar estrategicamente, mas, ao mesmo tempo, pode levar a resultados negativos se a codificação não for adequadamente bem feita. Normalmente a comunicação trabalha seus produtos e processos no nível dos artefatos visíveis, e quanto mais eles estiverem aderentes aos verdadeiros valores e pressupostos básicos da cultura de uma empresa, mais assertivos e estratégicos serão.
Quem já não implantou mudanças radicais no formato de reuniões executivas, buscando deixá-las mais leves e atraentes, mas que, ao contrário, acabam criando constrangimento e ruído na comunicação? Ou, quem já não passou pela experiência de, numa ação de imprensa, impactar positivamente o público externo mas causar impactos negativos internamente?
Muitas vezes os valores expressos nos artefatos visíveis não são os que de fato guiam a cultura de uma empresa. Pode parecer ambíguo, mas acontece com muita frequência. É preciso estar atento e aberto para enxergar além das aparências. É preciso acessar as camadas mais profundas da cultura, saber ler nas entrelinhas entre o discurso e a prática, para aí sim, atuar estrategicamente, com verdade, sem falsas promessas, sem maquiagem. Cultura e comunicação passam a ser os dois lados da mesma moeda no momento em que se encontram para a construção de uma cultura forte, que por sua vez fortalece a comunicação, em um movimento contínuo de causa e efeito.
Referência
SCHEIN, Edgard. Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 2218
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