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COLUNAS


José Eustáquio Oliveira de Souza


Presidente da Editora VEGA Ltda. e membro do conselho da Aberje. Atuou em cargos de destaque na área de comunicação de grandes multinacionais, como o Grupo Gerdau.

A internet e suas revoluções

              Publicado em 21/05/2015

Em uma das raras vezes que emitiu opinião sobre o que se veicula no Jornal Nacional, o âncora Willian Bonner criticou – “Que sujeito mais feio e esquisito!” – um personagem de matéria que acabara ser veiculada no noticiário. O camarada em questão era um hacker norte-americano branquelão, careca, com um cavanhaque enorme e esvoaçante, que foi preso pela polícia. O crime: “raqueou” os sistemas eletrônicos de controle de voo de uma aeronave, causando pânico na tripulação, nos passageiros e nos órgãos de segurança aérea do Tio Sam.

 O curioso é que o tal hacker só foi descoberto porque cometeu a babaquice de usar as redes sociais para tirar um sarro com a cara das autoridades e exaltar a sua própria audácia. No momento que Willian Bonner fez a gracinha com a figura do hacker abusado, pensei que aquilo iria bombar nas redes sociais. Não deu outra: no bloco seguinte do JN, já não tão irônico, Bonner aproveitou uma deixa para voltar à matéria do hacker. Motivo: pedir desculpas ao público por ter sido politicamente incorreto com o branquelão. A novidade: Bonner se justificou dizendo que segue tudo que rola na internet mesmo quando estava no ar com o JN e, por isso, vira que sua brincadeira não fora bem recebida pela galera.

Esse é o ponto que o episódio encerra em sua essência. Ele revela que o que poderia ser apenas mais um descompasso de visão de mundo entre mídia e cidadãos, coloca no centro do palco a revolução que está mudando radicalmente a sociedade do novo milênio: a da internet como instrumento de comunicação livre. Que, de acordo com o sociólogo espanhol Manuel Castells, um estudioso do tema, está causando um curto circuito nas instituições e no poder do dinheiro.

Para o autor do livro recém-publicado “Redes de Indignação e Esperança”, o monopólio da comunicação exercido tanto pelo poder político quanto pelo poder econômico, não existe mais porque a Internet permite às pessoas comunicarem-se diretamente sem passar por qualquer tipo de censura. “Ainda que se queira, não se pode controlar a Internet”, afirma Castells. E tampouco ignorá-la, acrescente-se.

Por isso as desculpas de William Bonner são emblemáticas. Nem a poderosa Rede Globo pode mais fazer de conta que a crítica ao que veicula na sua grade de programação não é da conta de ninguém. E pelo que se viu, a Venus Platinada captou o fenômeno e tenta se adaptar aos novos tempos, embora ele pareça pouco perceptível para muitos outros segmentos. Para os políticos e os empresários, principalmente. O que pode explicar os baixos índices de aceitação de ambas as categorias junto ao respeitável público brasileiro.

Crise

Do ponto de vista político mais amplo, Manuel Castells analisa o fenômeno como manifestação da crise mundial dos sistemas tradicionais de democracia representativa por conta da corrupção – agora mais exposta porque as pessoas têm mais acesso à informação e mais capacidade de organização por causa da internet. No caso do Brasil, de acordo com o sociólogo, está ocorrendo a tempestade perfeita: crise de representatividade e piora da economia com o ressurgimento da inflação e má gestão da economia.

Na verdade, a tempestade perfeita na economia foi gestada nas entranhas de um governo que há mais de oito anos tenta impingir ao país uma tal “nova matriz econômica”. De novo ela só tem o nome, já que a sua origem encontra-se no Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (II PNDE) do ditador Ernesto Geisel. Suas peças de resistência foram o nacionalismo (política de substituição de exportação e intervenção e estatização de amplos setores da economia) e o controle do Congresso. Geisel pela força e o novo governo pela corrupção. A “novidade” foi a adoção do velho populismo latino-americano com suas políticas de “distribuição de renda” sem a menor sustentabilidade.

O resultado da farra está sendo sentido pelos brasileiros que não pertencem à aristocracia, que tomou literalmente de assalto a máquina pública, e que usa da mentira marqueteira para permanecer no poder. Os protestos de rua e barulho das panelas para apagar a voz dos embusteiros provam que a tal crise de representatividade política chegou para valer no gigante outrora adormecido.  Jogadas e esperteza dos políticos até agora muito espertos não pegam mais.

 Nem no Congresso e tampouco na economia, a qual se tenta reanimar dos ferimentos mortais da “nova matriz” com um ajuste fiscal atabalhoado e rechaçado até pelo partido do governo. Tem mais: os empresários que compraram a ideia amanteigada e pagaram as propinas para implantá-la, pagam contas agora mais amargas. Ou estão na cadeia (com suas empresas fazendo água) ou esvaziam os bolsos por causa dos aumento de impostos, dos juros, da perda de mercado e da recessão.

O novo mesmo é que já não dá mais para enganar a “massa ignara” com comerciais bonitinhos, discursos inflamados e outras velhas mentiras que parte da mídia aceitava. A internet está aí para organizar o carnaval, botar o bloco dos descontentes na rua e exigir mudanças. “A gente não quer só comida, a gente quer respeito, honestidade, transporte público digno, educação e saúde de boa qualidade, segurança e os ladrões na cadeia”, é o que as redes sociais colocam na roda para questionar os poderosos e chamar o povo para as ruas.

A internet não é uma panaceia, pelo contrário. Estivesse vivo, Chacrinha diria que ela veio mais para confundir do que para explicar. O que muda um país mesmo é a boa política. Democrática, participativa, comprometida com a ética, e republicana.  Mas a internet já é alguma coisa. E a comunicação social? Qual é o seu papel nesse imbróglio todo? A única coisa de que tenho certeza é que ela terá que se reinventar totalmente. Sem mentiras, sem marquetagens.


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