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Luli Radfahrer
luli@luli.com.br

@radfahrer

Ph.D. em Comunicação Digital pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP, onde é professor há 18 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, Estados Unidos, Europa e Oriente Médio. Mantém um blog com seu nome, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Tem uma coluna semanal na Folha de S. Paulo e uma coluna mensal na Revista Imprensa.

Informação demais

              Publicado em 21/05/2015

A internet surgiu como uma gigantesca cidade, uma rede conectora de cérebros ao redor do mundo. Poucos imaginariam que o efeito colateral da informação que ela popularizou seria o surgimento de uma nova economia, baseada em atenção. Quando todos falam, não há tempo nem interesse para que alguém seja todo ouvidos.

No conto “A Biblioteca de Babel”, Jorge Luis Borges descreve uma estrutura mítica infinita, capaz de conter todos os livros, em todos os idiomas, todos os comentários a respeito de cada obra e todos os comentários a respeito de cada comentário. Em suas estantes, todas as versões da História estariam acompanhadas de todas as falsificações. Mesmo completa, a biblioteca não seria capaz de gerar conhecimento, por não ser capaz de interpretar o que estava registrado.

As tecnologias digitais desmaterializaram a informação e, nesse processo, a vêm tornando inadministrável. Volumes de correspondência que não seriam recebidos em décadas são agora acumulados em horas, a ponto de se tornarem uma das principais atividades profissionais. Quem nunca terminou um final de semana debruçado sobre seu notebook, organizando uma cornucópia de e-mails? Quem nunca começou um dia disposto a erradicar a caixa de entrada, só para descobrir, bem depois da hora do almoço, que a tarefa era impraticável?

Nunca se consumiu tanta informação. Qualquer relatório de tendências mostra que o volume de dados a circular pela rede cresce a uma taxa exponencial. E ninguém duvida que aumentará até que todas as possibilidades de canalizar e manipular dados, através de todos os recursos tecnológicos, estejam esgotadas. Ou seja, nunca.

Informação, que um dia já foi sinônimo de poder, hoje mais parece um problema. Fala-se em Tsunamis de conteúdos, em ansiedade de informação, em paradoxos de escolha, em fadiga de contexto, em paralisia de análise.

Dizem os mais exagerados que o Google emburrece e degrada memórias. Que o Facebook aliena. Que a Internet é reduto de pornografia, com fascistas e maníacos em cultos bizarros. Que o gigante digital consolida novas fortunas enquanto destrói economias locais. Que o mundo cibernético representa a vitória dos eremitas, dos plagiadores e dos ladrões de informação. Que é o ápice das Invasões Bárbaras, destruindo as relações entre as pessoas e demolindo a Cultura enquanto anuncia uma nova Idade das Trevas em que a verdade, como no Coliseu romano, será decidida pelos polegares em sinal de positivo.

Boa parte dessa insatisfação não vem das mensagens em si, mas de seu teor. A maioria delas -como a maioria da comunicação no ambiente de trabalho- é inútil, repetitiva ou indesejada. Mesmo assim precisa ser lida, respondida, copiada, reencaminhada, identificada, classificada, filtrada. Nesse sistema burocrático, tudo precisa ser guardado porque pode se transformar em documento legal. Quando toda conversa pode ser relevante, praticamente nenhuma o é.

Há pouco mais de uma década, a informação tinha mais gosto de aventura. Em uma festa, um especialista poderia fascinar seus interlocutores com teorias e leituras. Hoje ele seria contestado por smartphones, cujo acesso ao Grande Repositório teriam sempre a informação mais fresca, mais atualizada, mais popular.

A internet já mostrou que não veio para demolir instituições culturais, mas para se misturar a elas, transformando sua natureza. A confusão que se vê é típica de uma época de abundância, que hoje em dia se manifesta no direito à expressão.

Qualquer período de transformação, seja uma reforma de banheiro ou uma adolescência, é incômodo. Não é de hoje que o ruído cotidiano distrai e irrita. Descartes precisou se isolar em um quarto para concluir que existe porque pensa. Sêneca, há quase 25 séculos, não entendia o motivo para tantos livros, em tantas bibliotecas, mais do que qualquer um seria capaz de ler. Platão, radical, acreditava que os livros afastariam as pessoas, que graças a eles deixariam de conversar. Até mesmo o inventor da enciclopédia, Denis Diderot, acreditava que o volume de publicações criaria tantas opiniões que dificultaria a compreensão do mundo.

No mundo de abundância em rede o conhecimento não é mais representado por uma biblioteca, mas por uma playlist disposta a satisfazer os interesses de seus usuários. Não representa a verdade absoluta, nem tem pretensões de encontrá-la. Pelo contrário, mostra caminhos para a imensidão do mundo, que devem ser percorridos até que a curiosidade seja saciada.

A rede não está se tornando um supercérebro onipotente e onisciente, distante dos operários que a construíram. Pelo contrário, ela está se misturando com a própria natureza do conhecimento. É impensável imaginar um sem o outro. Livre de seu suporte, a informação mudou, transformando o meio pelo qual se desenvolvem, preservam, comunicam e transformam ideias.

O conhecimento é hoje uma propriedade da rede. Isso é muito maior do que qualquer sabedoria popular, folclore ou voz das massas. Pelo contrário, o velho mito dos Oráculos, Astros, Gurus, Doutores e Deuses a representar o cânone do conhecimento está finalmente questionado, levando embora com ele a ideia nociva e artificial das certezas absolutas, das verdades definitivas e do fim das discordâncias.

E isso é só o começo. À medida que a Internet das coisas fará com que a pessoa mais inteligente da sala seja a própria sala não faz muito sentido resistir e se opor. A melhor maneira de avançar é abraçar as peculiaridades desta nova cultura que apesar de ser cada vez menos tangível, nunca foi tão humana.


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