Os emergentes do digital
Por que o mundinho da alta tecnologia é tão preconceituoso?
Nos condomínios de alto padrão da Barra da Tijuca e dos Jardins, uma cena ainda é comum. Os ricos “tradicionais” – aqueles que “tem berço”, dizem – esnobam os pobres novos-ricos. De nada adianta o dinheiro que tenham, conquistado muitas vezes a duro suor, já que sua falta de naturalidade nos ambientes que frequentam insiste em revelar a falta de familiaridade com o ambiente que os cerca. Não há nada de errado em ter seu dinheiro ganho honestamente, e o fato de ter surgido de origem humilde deveria ser até um fator de admiração. Mas não é isso o que acontece. Sem conhecer os códigos de etiqueta, muitos acabam isolados, tristes e revoltados contra um grupo que nunca estendeu a mão para educá-los.
No novo mundo cada vez mais popular e presente das altas tecnologias e mídias sociais, velhos preconceitos são igualmente abundantes. Pobre daquele que não saiba programar, nunca tenha desmontado nem desbloqueado um aparelho, não sabe o que é Bitcoin ou ainda vê filmes no cinema. Cheios de gírias, jargões, “memes” e códigos de conduta, os líderes e influenciadores das mídias digitais não perdoam o desavisado que, por falta de instrução, TUÍTA EM MAIÚSCULAS. Não há quem sussurre no seu ouvido que isso não se faz, ninguém a explicar que, por mais estranho que pareça, isso é o equivalente a falar alto em um ambiente público.
Como o emergente, inocente em seus chinelos de dedos e camiseta regata, esse pobre coitado é obrigado a adivinhar, pelos olhares feios em torno, que algo deve estar errado. É um processo doloroso, frustrante e demorado, e muitos desistem no meio do caminho.
A popularização das novas tecnologias criou uma categoria inusitada de excluído tecnológico: alguém que deu o azar de se especializar em uma área distante da tecnologia de consumo. Não é uma categoria pequena, ignorante ou anacrônica. Nela estão muitos advogados, neurocirurgiões, cozinheiros, arquitetos, investidores e artistas bem-sucedidos, cultos e renomados, que frequentam lugares da moda, consomem furiosamente e viajam bastante ao exterior. São curiosamente desprezados por um grupo composto, em sua maioria, de celebridades instantâneas, conhecidas apenas em seus nichos restritos, e que até há pouquíssimo tempo não tinham ocupação que sustentasse seus curiosos hábitos.
Ao contrário do grande físico que não entende nada de moda e pode se dar ao luxo de ignorar o assunto, ou do grande dentista que não se interessa por futebol e sofre para listar dez grandes clubes brasileiros, uma parte cada vez maior da sociedade contemporânea não tolera quem não vê graça em gigabytes, gigahertz e gigawatts, não se comove com atualizações de sistemas operacionais e ainda se dá ao luxo de voltar do exterior sem o novo gadget no bolso, no pulso ou na mala. O desprezo é tanto que não há canal de comunicação para educar aqueles que, mesmo distantes ou tardios, tenham os recursos e estejam interessados em saber como funciona um Mac, um Oculus, um Kindle, um SnapChat.
O resultado é curioso: a segregação tecnológica é tamanha – e tão amplamente praticada – que causa em suas vítimas um complexo de inferioridade parecido com aquele que tanto combatemos na defesa das minorias étnicas, etárias, econômicas e sociais. É comum ver nos párias digitais a sensação de serem velhos, anacrônicos, burros, ultrapassados ou simplórios. Como aqueles que, em séculos passados, se diminuíam por pertencer a qualquer casta que não fosse a dominante. A tecnologia, inventada para integrar as pessoas e melhorar a qualidade de vida, acaba gerando, em muitos, o efeito contrário.
Não há nada de esotérico, místico ou complexo em um podcast, em uma wiki, no streaming de um vídeo ou nos cabos que se encaixam em uma HDTV. É muito mais fácil compreendê-los do que entender os critérios de pontuação em uma Olimpíada. Mas, como parecem óbvios, ninguém se dedica a explicá-los. O resultado é limitador, para se dizer o mínimo.
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