Ampliação da terceirização: novo cenário para a Comunicação Interna
Marlene Machado*
A ampliação da terceirização da mão de obra para as atividades-fim da organização, como proposto pelo Projeto de Lei 4330-2004, poderá demandar dos profissionais de Comunicação Interna uma reflexão mais aprofundada sobre a extensão de suas ações. Prevalecerão as atuais práticas para o tratamento de empregados próprios e terceiros? O Brasil conta hoje com 12 milhões de trabalhadores terceirizados atuando em funções acessórias, principalmente limpeza, segurança e transporte. A aprovação do PL 4330-2004 poderá provocar a migração de outros 25% dos 36 milhões de trabalhadores efetivos para o novo enquadramento, como estima a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Se confirmada a estimativa da CUT, o movimento irá configurar um novo cenário sócioeconomico-cultural, com reflexos significativos nas organizações.
Na crença de que as práticas discursivas nas organizações poderão se tornar ainda mais complexas a partir da aprovação do PL 4330, o que se propõe aqui é fazer uma breve reflexão sobre o envolvimento dos terceiros nas ações organizadas pela Comunicação Interna. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) assegura que 60,8% das empresas do total da indústria garantem aos trabalhadores terceirizados o mesmo tratamento dado aos efetivos, de acordo com sondagem realizada em 2014. Trabalho realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de 2013, no entanto, evidencia as diferenças: além de estarem mais expostos a acidentes, os terceiros recebem em média salários 27% inferiores quando comparados aos dos efetivos, por exemplo.
Também em relação às ações de Comunicação Interna, é possível perceber que a conta próprio x terceiro não fecha. Certamente, algum de nós, da Comunicação, já foi questionado sobre a razão de os terceiros não participarem da celebração das datas comemorativas, especialmente a Confraternização de Natal, nem de serem contemplados nas campanhas da organização. De maneira funcional, sempre teremos uma resposta na ponta da língua para tais questionamentos. Dificilmente saberemos, no entanto, a maneira como tal explicação foi apreendida muito menos seus desdobramentos.
Evidentemente, não se propõe aqui discutir a decisão da organização em optar por este ou aquele modelo de contratação. Mas, sim, observar que, a partir de uma perspectiva relacional, tais decisões são elementos fundantes para a criação de sentidos sobre a organização, especialmente se a prestação de serviços se dá in company. É que a dimensão da sensível é mais potente. O fato de o terceiro não fazer, na prática, parte do quadro efetivo da organização não significa que ele, por afinidade, não se sinta parte da equipe nem que se eximirá de criar e ressignificar os sentidos postos em circulação pela organização – inclusive na comunidade onde vive.
Há que se observar que é urgente regularizar a situação dos 12 milhões de terceiros já existentes, muitos contratados por empresas de bases muito frágeis. Igualmente importante é compreender que os sujeitos na sociedade contemporânea assumiram novos papéis e exigem uma postura mais sensível da organização, para lidar com essas novas práticas de gestão. E a ampliação da terceirização poderá nos impor a necessidade de um novo olhar sobre a intencionalidade de nossas ações na organização, inclusive pra darmos conta de lidar com o próprio time, muitas vezes formado por empregados próprios e terceiros, por conta da necessidade de reduzirmos os custos de contratação.
Como gosta de dizer Ivone Oliveira, a professora que assina esse espaço, em uma situação de comunicação, cada nova mensagem desencadeia novos sentidos. E se considerarmos a capacidade singular da Comunicação de promover a interação entre os diversos públicos que constituem a organização, envolver o terceiro apenas em promoções de caráter legal, como Saúde, Segurança e Meio Ambiente, pode indicar uma visão reducionista do papel desse interlocutor na organização (e também a confirmação do quanto essas ações podem ser burocráticas).
No artigo Comunicação Estratégica: outras lógicas e construtos no contexto da midiatização, Oliveira e Paula (2014) contribuem para essa reflexão. “O contexto não é uma categoria objetiva, mas sim construto subjetivo e intersubjetivo que se atualiza na interação. Isto significa dizer que, apesar de pertencerem ao mesmo contexto e a uma mesma situação social, os atores não pensam iguais e não têm o mesmo discurso”. E especialmente numa situação de terceirização ampliada, tal entendimento poderá ser ainda mais significativo. É que na ponta estará um sujeito soberano na definição dos significados das mensagens da organização, mesmo que não sejam direcionadas a ele. Mas, na condição de terceiro, ele se apropria delas da forma que lhe convier tal qual o colega efetivo.
O fato é que a configuração da relação empregador x efetivo x terceiro se dá de forma um pouco mais complexa. E mesmo utilizando-se de posicionamentos elaborados, a Comunicação Interna pode não dar conta de justificar aos afetados por suas ações a razão do tratamento diferenciado aos dois enquadramentos funcionais, evidenciando, dessa forma, a incapacidade da organização de determinar os sentidos de suas ações e as assimetrias e incertezas que caracterizam as relações contemporâneas.
Referências bibliográficas
OLIVEIRA, Ivone de Lourdes; PAULA, Maria Aparecida de. Comunicação Estratégica: outras lógicas e construtos no contexto da midiatização. 2014. Texto apresentado no Congresso da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC
Carta Capital – Ano XXI – Nº 845
* Marlene Machado é jornalista, mestranda pelo Programa de Pós-graduação da PUC Minas - "Midiatização e Práticas Interacionais". MBA em Gestão Empresarial e pós-graduada em Comunicação Empresarial. Com experiência em mídia impressa e Comunicação Organizacional. Membro do Grupo de Pesquisa “Comunicação no Contexto das Organizações: aspectos teórico-conceituais” - PUC-Minas.
E-mail: marlenemachadobh@hotmail.com
Ao receber o convite da Aberje para assumir mensalmente esta coluna no seu site, propus a participação do Grupo de Pesquisa, “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teóricos conceituais”, PUC-Minas/CNPq. Ficamos ausentes um tempo, mas estamos de volta e a partir desse mês publicaremos mensalmente pequenos artigos sobre temas relacionados à comunicação organizacional. Esperamos opiniões de nossos leitores.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 2233
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