Menos storytelling e mais storydoing
Depois de uma marca de sorvetes e uma fabricante de sucos terem sido pegas na mentira (apresentaram histórias fictícias como verdadeiras para atrair os consumidores), era de se esperar que as empresas e suas agências de publicidade iniciassem um movimento na direção de uma comunicação mais honesta e menos fantasiosa. No entanto, além das que já vinham adotando essa postura, desafio os leitores a apontar quem tenha mudado sua postura nos últimos meses. Os bancos continuam mostrando um mundo de atendimento perfeito, as operadoras de telecom continuam entregando menos do que prometem, as cervejarias continuam colocando a mulher como objeto de consumo e a comida, qualquer comida, é sempre mais bonita na propaganda do que na mesa do consumidor.
A contação de histórias ou, na versão “gurmetizada”, storytelling vem sendo utilizada desde o advento da linguagem, esse atributo a que pesquisadores como o biológico chileno Humberto Maturana atribuem à origem do humano. Só que a partir do momento em que, ainda na época da faculdade de jornalismo (faz tempo...) me caiu no colo o livro “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, de Bruno Bettelheim, aprendi a cultivar não apenas uma, mas uma verdadeira colônia de pulgas atrás da orelha. Toda vez que escuto ou leio uma história de um mundo perfeito, suspeito. E suspeito ainda mais quando ela vem da publicidade, um segmento que, infelizmente, ganha muito mais dinheiro manipulando as necessidades e os desejos do consumidor do que, de fato, estabelecendo uma comunicação honesta entre quem quer vender um produto ou serviço e quem, de fato, precisa dele.
O que, no entanto, muitos publicitários ainda parecem ignorar é que o consumidor evoluiu e, mesmo que ainda haja muito peixe que se fisga até sem isca, outra parcela considerável já tem clareza sobre os seus direitos e amplifica o barulho nas redes sociais ao menor sinal de desrespeito. No final da década de 90, ouvi uma história de um publicitário que havia migrado para o branding que trouxe uma clareza a esse tema que até então eu não tinha visto. De maneira bem simples, ele dizia que as propagandas do tipo “família Doriana”, que vendiam um mundo de harmonia plena, eram reféns da ética da limitação, onde tudo é tão perfeito que o consumidor se sente inibido. Ele até avalia positivamente a propaganda, mas, intimamente, conclui que o que está sendo vendido não é para o seu bico. Na outra ponta, estaria a ética da limitação, com a comunicação de um mundo possível, concebido em torno de uma mensagem “aspiracional” – para usar uma expressão que já foi muito querida pelos publicitários. Diferentemente do primeiro grupo, esse tipo de propaganda inspiraria o consumidor a caminhar na direção do produto ou serviço que está sendo vendido - isso, claro, a depender da necessidade de consumo. Aí é que o storytelling costuma, muitas vezes, fazer um papel perigoso: o de criar necessidade onde ela, em princípio, não existe. Ou, pior, de correlacionar uma necessidade real do consumidor a uma história fictícia, criada exclusivamente para fisgar esse consumidor por algo que ele valoriza, porém o produto ou serviço promovido não oferece. O exemplo da empresa de sucos que inventou a história de que suas laranjas vinham da fazenda do seu Francisco não é mera licença poética, embora alguns publicitários tenham corrido em defesa da empresa e da agência responsável pela criação da campanha.
Inventar uma história e deixar claro tratar-se de uma mera ficção é outra coisa. E o consumidor não se sente desrespeitado quando a comunicação é claramente fantasiosa. Na outra ponta, as empresas que têm adotado uma comunicação que aproxime a promessa da entrega vêm colecionando pontos e admiração. Algumas até já perceberam que comunicar o próprio “walk the talk” pode ser um excelente negócio. A Whole Foods, por exemplo, uma das empresas mais admiradas dos Estados Unidos e líder do movimento do Capitalismo Consciente, lançou a campanha “Values Matter” (Valores Importam), materializando aquilo que qualquer consumidor que vá a uma de suas lojas pode ver na prática: gente mais preocupada em fazer história do que contar.
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