Fui convidado por um cliente para dar uma entrevista para seu programa interno de tevê sobre um tema espinhoso: a forma como o uso crescente do celular tem afetado as relações entre as pessoas. Confesso: sou totalmente leigo no assunto. O cliente não acreditou. Dei a entrevista e descobri que sou viciado nesse aparelhinho que faz de tudo, inclusive chamadas telefônicas. Sob essa ótica, a do dependente, posso me considerar um expert.
Já pensei em criar um grupo de auto-ajuda onde as pessoas possam compartilhar histórias e, possivelmente, livrar-se da dependência. O problema é que não dá mais para viver sem ele, e a tática de usar só um pouquinho não rola.Nas últimas férias, fui para Ponta de Corumbau, uma pacata vila no sul da Bahia, onde sinal de celular e conexão com Internet eram raridade. Amarguei uma crise brava de abstinência. Sobrevivi, é fato, mas os primeiros dias foram torturantes.Logo que voltei à “civilização“, mergulhei instantaneamente de cabeça em minha porta – ou janela, a depender do que você estiver fazendo no momento – para o mundo, de novo encantado com essa sensação de poder supremo que me colocaram na palma da mão.
E não é para menos. De um celular, experimentamos a maravilhosa sensação de controlar nossa vida. Temos o que quisermos de informação sobre o que está acontecendo em qualquer parte do mundo a cada instante. Compramos coisas, pagamos contas, nos entretemos com joguinhos estúpidos que viram febre da noite para o dia e são esquecidos antes do sol se por. E , sim, respondemos e-mails, mensagens, postamos fotos, vídeos, frases, atualizamos nosso status de relacionamento e, depois – imediatamente depois - checamos se alguém curtiu ou deixou um comentário.
“Você não leu meu e-mail?“, pergunta o colega da mesa ao lado alguns segundos após tê-lo enviado.“Não li, mas pode falar“. O colega: “Falar o que? Já disse no e-mail!“. Ter um telefone inteligente – não é assim que chamam os celulares que fazem muito mais do que ligações telefônicas? – é o mesmo que ter um escritório móvel. Então, como assim você ainda não respondeu o e-mail do seu colega se seu celular já emitiu algum sinal sonoro ou vibrou dentro de seu bolso ou sob sua mesa dando o aviso?
Pois é, não adianta colocar no modo silencioso. Basta que ele vibre para sermos imediatamente teletransportados para um outro mundo. Não consigo imaginar nada hoje em dia que distraia tanto a atenção quanto um celular. Penso no estrago que ele pode fazer – já deve estar fazendo! – em ambientes de trabalho de alto risco. E o uso do celular na direção?Segundo o Departamento de Trânsito dos EUA, celular ao volante aumenta o risco de acidentes em 400%. E, para quem ainda não se ligou, o motorista que provocar um acidente ou atropelar alguém por estar falando – ou digitando – ao celular enquanto dirige pode responder por crime doloso, ou seja, intencional. Por essas e por outras e, claro, porque sou metido a besta, resolvi reunir o que há de mais óbvio em se tratando de boas maneiras no uso do celular em meu manual pessoal de etiqueta.
Como esse nosso companheiro inseparável acaba funcionando como um escritório ambulante, algumas das regrinhas também servem muito bem para o uso do e-mail. E quanto mais óbvia - de preferência, a do tipo ululante - for a regra, melhor, afinal, para quem vive com a cabeça baixa, os olhos hipnotizados pela telinha de cristal, só mesmo uma comunicação do tipo tatuagem na testapara termos alguma chance de êxito.
Regra 1: Se for dirigir, não use o celular.
O telefone tocou, não tem viva-voz? Estacione o carro e atenda o maledeto. Ou desencane e responda a ligação em outro momento. Simples assim. Pesquisas comprovam que, em 99,99% das ligações que você recebe, ninguém morreria caso não fossem atendidas de imediato. Deu aquele comichão para saber que trending topic está bombando nas redes sociais? Respire profundamente, concentre-se na direção e caia na real: se o mundo acabar, você ficará sabendo de algum modo, pode estar certo.
Regra 2: Não responda mensagens sem pensar.
Não faça como a britânica Melissa Thompson, que levou apenas 25,94 segundos para digitar 26 palavras, tornando-se a recordista mundial em digitação de SMS. Péssimo exemplo, hein Melissa? Antes de responder qualquer mensagem, seja um SMS ou um e-mail, leia-a até o fim, sem tentar advinhar como ela termina. Sei por experiência o quanto isso é difícil, mas continue tentando que uma hora você consegue.
Regra 3: Não responda mensagens tensas.
Caso a mensagem seja do tipo cabeluda – por exemplo, alguém soltando o verbo em cima de você ou, pior, destilando ironia-,leia a mensagem novamente e reserve. Reserve algumas horas ou o tempo necessário para passar sua raiva e não, não envie uma outra mensagem de volta. Ligue – pois é, seu celular também serve para fazer ligações telefônicas! - ou marque uma conversa olho no olho. Quer evitar comunicação truncada em situações mais tensas? Suspenda a troca de mensagens e escolha um meio onde o tempo de defasagem entre os dois lados seja o menor possível, de maneira a corrigir ruidos em tempo real. Assim, você evita que mal-entendidos pontuais se transformem em uma bola de neve de alto poder destrutivo.
Regra 4: Numa conversa olho no olho, olhe no olho.
Enquanto você fala, a outra pessoa resolve olhar alguma coisa no celular. Pode ser um pássaro, um avião, o próprio super homem, mas esse papinho de “pode falar, que eu estou prestando atenção“ é um ato de desrespeito quando a atenção está dividida entre você, esse ser complexo que se comunica por meio de palavras, gestos, respiração, olhares, enfim, o corpo todo, e o celular, esse buraco negro onde a atenção às vezes se perde para nunca mais. Quando fizerem isso com você, não titubeie: pare de falar e espere o “pode falar, que eu estou prestando atenção“ para dizer que prefere esperar o outro terminar o que está fazendo para continuar a conversa.
Regra 5: Mostre quem é quem manda.
Quem disse que você precisa ler e responder suas mensagens o tempo todo já virou escravo do celular. Mostre ao seu celular quem é dono de quem. Se a mensagem é realmente importante, a pessoa vai ligar! Sei que pode parecer algo distante, mas há vida inteligente fora do celular. Em minha crise de abstinência no sul da Bahia, descobri, por exemplo, que as plantas crescem, as andorinhas gostam de brincar enquanto voam e que, quando se observa um mar verde esmeralda de águas calmas por um dia todo, um celular não faz a menor falta.