Por uma ecologia social: olhar antropológico e sustentabilidade na mochila
Quatro horas em uma banca de doutorado e a presença de instigantes colegas me fizeram pensar novamente sobre telas e tempo – objeto do meu livro “No tempo das telas” (2014) –, e também sobre ecologia e silêncio. Quando a mente se agita, mesmo por um motivo maravilhoso como esta banca, procuro o silêncio, a natureza. Um olhar de dez minutos para captar o cheiro da terra do Parque Augusta, já refaz na corrida Sampa.
“Somente com quietude, podemos reconhecer o movimento”, diz a artista sérvia Marina Abramovic, na sua exposição “Terra Comunal”, no Sesc Pompéia, em São Paulo até 10 de maio. Além dos cristais de calçar, os travesseiros de pedras brasileiras e duas banheiras cheias de camomila, Abramovic traz a instalação 512 Hours, inicialmente apresentada na Serpentine Gallery, em Londres, em 2014. Lá, “os visitantes eram obrigados a deixar para trás todos os seus pertences e eram convidados e entrar em silêncio. Na galeria, encontravam um espaço vazio, onde a obra ainda seria criada (...)”. Tudo feito em conjunto com o público.
“Todo meu trabalho agora é sobre o tempo. É sobre o fato de que na verdade, ao estar no presente você pode parar o tempo – você não pensa no passado ou no futuro, você apenas está lá e tudo se transforma na ideia do aqui e agora”, nos ensina Abramovic, que visitou várias vezes o Brasil e diz que a força da natureza pode ser sentida no “céu grande e cheio de nuvens. Onde a chuva chega de uma só vez e, assim que começa ela para”.
“Terra Comunal” coloca em xeque o tempo fluxo em que vivemos. Sem tempo para nada nos tornamos “the heads down generation”, expressão que tenta explicar as pessoas que vivem olhando para baixo, para seus smartphones, ou tablets. Se temos cinco minutos de espaço vazio, seja na fila do caixa do supermercado, na espera do check-in do aeroporto, logo gastamos olhando para o celular. Estamos perdendo a habilidade de trabalhar o silêncio interno, respirar e olhar ao redor. Por que necessitamos olhar para o celular, checar o WhatsApp, os comentários do Facebook o tempo todo? Em que momento entramos em contato com o silêncio? Com nós mesmos? Por que andamos olhando para baixo? Perdemos a rua, a viagem real da descoberta, como ensinava Marcel Proust. Necessitamos ter olhos que façam uma varredura interna, de nossos processos como cidadãos, nosso consumo, nossas cidades, nossas plantas, água etc.
Claro que trabalhar sob uma perspectiva antropológica sobre o presente reserva várias armadilhas e dificuldades. Roger Chartier vai tão bem perceber isso ao dizer que ser historiador do tempo presente faz nos sentirmos “atrapalhados com a superabundância de fontes e aflitos com a proximidade imediata que os une ao seu objeto”. São tantos estímulos sonoros, visuais, tecnológicos, que esquecemos de pensar no que consumimos, que produtos estão na fórmula de nosso shampoo ou mesmo como lavar a louça para gastar menos água. Só quando perdemos a saúde, a água, os amigos, o convívio, é que percebemos a ruptura. “Se estiver na companhia de outras pessoas, desconecte-se. E conecte-se às pessoas. (...) Dê mais abraços do que curtidas. Esse termômetro é perfeito”, encerro assim o livro “No tempo das telas”.
Ecologia querer reconfigurar-se
Por que não nos tornamos realmente sustentáveis? Para a colunista da revista Plurale, Nádia Rebouças, “dá um trabalho danado aprender a reciclar, mudar hábitos alimentares, aprender que você será a melhor pessoa para preparar seu alimento, deixar os restaurantes a quilos, as latinhas e caixinhas para trás, perceber o açúcar e a diminuição dele no seu metabolismo e até na sua aparência. Leva-se tempo para mudar, como leva-se tempo para tocar um instrumento, construir uma casa, fazer um filho etc. Há uma exigência de coragem, determinação, paciência com suas falhas e esquecimento, enfrentamento da preguiça e perseverança. Andei de carro a vida inteira como agora de ônibus? Deixei sempre as luzes acesas e os aparelhos na tomada, como me tornar consciente nos meus passos diários? É no meio desses desafios que vão nascendo seres comprometidos com a sustentabilidade”.
Seja mapeando, com olhar antropológico as redes sociais, aprendendo a tomar banho em dois minutos, bebendo água em vez de refrigerante ou ficando em silêncio como propõe Abramovic, precisamos nos reconfigurar e usar a tecnologia a nosso favor e não contra. Desconectar, para depois reconectar melhor.
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