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Lidiane Amorim


Gerente de Comunicação Corporativa da Rede Marista e docente na área de Comunicação Organizacional. Doutora e Mestre em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), com estágio doutoral na Universidad Complutense de Madrid (UCM-Espanha). Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (2006), com formação em Comunicação Institucional pela Universidade Austral (Arg). Tem experiência em Comunicação Organizacional e Integrada, tendo atuado em assessorias de comunicação e marketing e também tem passagem em rádio e TV como editora, apresentadora, repórter e produtora. 

Papa Francisco e as doenças organizacionais

              Publicado em 24/03/2015

Desde que foi escolhido para ser o grande líder da Igreja Católica, Papa Francisco vem conquistando até os corações mais distantes de qualquer tipo de fé, por inúmeros fatores que, aliás, renderiam um artigo exclusivamente sobre isso. Há dois anos como pontífice, já recebeu duas indicações ao Prêmio Nobel da Paz, no ano passado (2014) ficou no topo da lista das 50 maiores lideranças do mundo, da revista americana Fortune, e em 2013, ano em que sucedeu o Papa Beto XVI, foi escolhido a personalidade do ano pela revista Time.

Suas palavras, seus discursos, suas homilias, profundamente amparadas por um reconhecido testemunho de vida diário, têm muito a nos inspirar em diversas dimensões. Escolhi para esta coluna um de seus pronunciamentos que, particulamente, me pareceram repletos de oportunidades reflexivas, sobretudo para profissionais de comunicação organizacional (católicos ou não) e líderes de modo geral.

Trata-se do discurso em que ele apresenta as 15 doenças das quais sofre o Vaticano. Sua fala ocorreu no encontro de confraternização de Natal com os líderes da Igreja Católica, em dezembro de 2014, quando fez duas críticas à Cúria Romana. Desde meu primeiro contato com este texto, logo percebi que poderiamos metaforicamente enxergar essas mesmas 15 doenças no ambiente organizacional.

Após algumas linhas sobre o Natal, Francisco relaciona a Cúria com um corpo complexo, a partir de São Paulo «Pois, como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, constituem um só corpo(…)» (1 Cor 12, 12). Um corpo que procura diariamente ser mais vivo, mais saudável, harmonioso e unido. Nas suas palavras: “Na realidade, a Cúria Romana é um corpo complexo, formado por muitos Dicastérios, Conselhos, Departamentos, Tribunais, Comissões e por numerosos elementos que não têm todos a mesma tarefa, mas estão coordenados em ordem a um funcionamento eficaz, edificante, disciplinado e exemplar, não obstante as diferenças culturais, linguísticas e nacionais dos seus membros”. O que são as organizações senão também um corpo complexo de múltiplas dimensões?

Prossegue afirmando que a Cúria – assim como as organizações – por ser um corpo dinâmico, não pode viver sem se alimentar e tratar. E como qualquer corpo “como todo o corpo humano, está sujeita também às doenças, ao mau funcionamento, à enfermidade”. A partir daí, o Papa discorre sobre o que ele denomina de “catálogo de doenças” e tentações, uma lista das “doenças mais habituais na nossa vida de Cúria”. A seguir, apresento algumas delas (leia o discurso do Papa na íntegra aqui). Peço que o leitor faça o exercício de substituir a palavra Cúria por Organização/Organizações. Certamente você vai perceber que muitas organizações sofrem das mesmas enfermidades.

  • A doença de sentir-se «imortal», «imune» ou mesmo «indispensável», descuidando os controles habitualmente necessários. Uma Cúria que não se autocritica, não se atualiza, nem procura melhorar é um corpo enfermo. É a doença do rico insensato do Evangelho, que pensava viver eternamente (cf. Lc 12, 13-21), e também daqueles que se transformam em patrões, sentindo-se superiores a todos e não ao serviço de todos. Tal doença deriva muitas vezes da patologia do poder, do «complexo dos Eleitos», do narcisismo que se apaixona pela própria imagem. O antídoto para esta epidemia é a graça de nos sentirmos pecadores e dizer com todo o coração: «Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer» (Lc 17, 10).

 

  • Doença do «empedernimento» mental e espiritual, ou seja, daqueles que possuem um coração de pedra e uma «cerviz dura» (Act 7, 51); daqueles que, à medida que vão caminhando, perdem a serenidade interior, a vivacidade e a ousadia e escondem-se sob os papéis, tornando-se «máquinas de práticas» e não «homens de Deus» (cf. Heb 3, 12). É perigoso perder a sensibilidade humana, necessária para nos fazer chorar com os que choram e alegrar-nos com os que estão alegres!

 

  • A doença da má coordenação. Quando os membros perdem a sincronização entre eles e o corpo perde o seu harmonioso funcionamento e a sua temperança, tornando-se uma orquestra que produz ruído, porque os seus membros não colaboram e não vivem o espírito de comunhão e de equipe. Quando o pé diz ao braço: «Não preciso de ti»; ou a mão à cabeça: «Mando eu», causando assim mal-estar e escândalo.

 

  • Há também a doença do «alzheimer espiritual», ou seja, o esquecimento da «história da salvação», da história pessoal com o Senhor,  do «primitivo amor» (Ap 2, 4). Trata-se de um progressivo declínio das faculdades espirituais que, num período mais ou menos longo de tempo, causa grave deficiência à pessoa, tornando-a incapaz de exercer qualquer atividade autônoma, vivendo num estado de absoluta dependência dos seus pontos de vista frequentemente imaginários. Vemo-lo naqueles que dependem completamente do seu presente, das suas paixões, caprichos e manias; naqueles que constroem em torno de si muros e costumes, tornando-se cada vez mais escravos dos ídolos que esculpiram com as suas próprias mãos.

 

  • A doença da rivalidade e da vanglória. Quando a aparência, as cores das vestes e as insígnias de honra se tornam o objetivo primário da vida. É a doença que nos leva a ser homens e mulheres falsos e a viver um falso «misticismo» e um falso «quietismo». O próprio São Paulo define-os «inimigos da cruz de Cristo», porque «gloriam-se da sua vergonha, esses que estão presos às coisas da terra» (Flp 3, 18.19).

 

  • A doença da esquizofrenia existencial. É a doença daqueles que vivem uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que nem doutoramentos nem títulos acadêmicos podem preencher. Uma doença que acomete frequentemente aqueles que, abandonando o serviço pastoral, se limitam às questões burocráticas, perdendo assim o contato com a realidade, com as pessoas concretas. Deste modo, criam um mundo paralelo seu, onde põem de lado tudo o que ensinam severamente aos outros e começam a viver uma vida escondida e muitas vezes dissoluta.

 

  • A doença das bisbilhotices, das murmurações e das críticas. Desta doença, já falei muitas vezes, mas nunca é demais. Trata-se de uma doença grave, que começa de forma simples, talvez por duas bisbilhotices apenas, e acaba por se apoderar da pessoa fazendo dela uma «semeadora de cizânia» e, em muitos casos, «homicida a sangue frio» da fama dos próprios colegas e confrades. É a doença das pessoas velhacas que, não tendo a coragem de dizer diretamente, falam pelas costas. São Paulo adverte-nos: «Fazei tudo sem murmurações nem discussões, para serdes irrepreensíveis e íntegros» (Flp 2, 14-15). Irmãos, livremo-nos do terrorismo das bisbilhotices!

 

  • A doença de divinizar os líderes: é a doença daqueles que fazem a corte aos Superiores, na esperança de obter a sua benevolência. São vítimas do carreirismo e do oportunismo. São pessoas que vivem o serviço, pensando unicamente no que devem obter e não no que devem dar. Pessoas mesquinhas, infelizes e movidas apenas pelo seu egoísmo fatal (cf. Gal 5, 16-25). Esta doença poderia atingir também os Superiores, quando fazem a corte a algum dos seus colaboradores para obter a sua submissão, lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma verdadeira cumplicidade.

 

  • A doença da indiferença para com os outros. Quando cada um só pensa em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando o mais experiente não coloca o seu conhecimento ao serviço dos colegas menos experientes. Quando se teve conhecimento de alguma coisa e guarda-se para si mesmo em vez de a compartilhar positivamente com os outros. Quando, por ciúmes ou por astúcia, se sente alegria ao ver o outro cair, em vez de o levantar e encorajar.

 

  • A doença da cara fúnebre, ou seja, das pessoas rudes e amargas que consideram que, para se ser sério, é preciso pintar o rosto de melancolia, de severidade e tratar os outros – sobretudo aqueles considerados inferiores – com rigidez, dureza e arrogância. Na realidade, muita vezes, a severidade teatral e o pessimismo estéril são sintomas de medo e insegurança de si mesmo.

 

  • E a última: a doença do lucro mundano, dos exibicionismos, quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder, e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poder. É a doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar o seu poder e, para isso, são capazes de caluniar, difamar e desacreditar os outros, inclusive nos jornais e revistas; naturalmente para se exibir e demonstrar-se mais capazes do que os outros. Também esta doença faz muito mal ao Corpo, porque leva as pessoas a justificar o uso de todo e qualquer meio contanto que alcancem tal fim, muitas vezes em nome da justiça e da transparência!

 

Ao final, o Papa encerra afirmando que a cura é fruto também da consciencialização da doença e da decisão pessoal e comunitária de se curar suportando, com paciência e perseverança, o tratamento. Basta alguns minutos de reflexão e certamente encontraremos tais doenças nos espaços organizacionais em que habitamos e, enquanto profissionais de comunicação, assessores, penso que é nosso dever auxiliar no diagnóstico, tratamento e abrir os olhos da organização para a necessidade de cura. Mas antes disso, é fundamental realizarmos nosso próprio autoexame de consciência: não estariamos, nós mesmos, sofrendo de algumas dessas doenças?


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