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Marco Antônio Eid


Jornalista, escritor e executivo da área de comunicação, é Diretor de Conteúdo da RV&A (Ricardo Viveiros & Associados - Oficina de Comunicação).

Al Capone autorizaria biografia sem cortes?

              Publicado em 28/10/2013
Em meio à polêmica nacional das biografias, que contrapõe os direitos à privacidade e à honra, previstos no Código Civil, ao da liberdade de expressão, garantido pela Constituição de 1988, certamente prevalece o segundo. Aprendi com os advogados com os quais tenho a alegria de conviver que nenhuma lei pode ir contra a Carta Magna. 
 
Assim, a solução do imbróglio passa por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucionais os dispositivos censores do Código Civil, ou pela alteração deste por um projeto de lei. Seja como for, não se pode admitir qualquer restrição à liberdade de expressão. Em casos de calúnia, injúria ou difamação, a pessoa atingida tem o direito de recorrer à Justiça, reivindicando reparação, inclusive pecuniária, dos eventuais danos.
 
Desculpem-me meus ídolos Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gilberto Gil, dentre outros artistas integrantes do grupo “Procure Saber”, mas vocês estão contradizendo toda a luta contra a censura que preconizaram, em prosa, verso e melodia, nos truculentos dias da ditadura militar. Sua insistência contra as biografias não autorizadas poderia estabelecer uma perigosa exceção: como faríamos, jornalistas, para escrever matérias sobre pessoas célebres? Teríamos, também, de pedir autorização e submeter-lhes os textos à aprovação antes de veiculá-los em jornais, revistas, rádios, TVs e webmídia? Ora, não faz o menor sentido!
 
O que é uma biografia senão uma grande e completa matéria sobre uma pessoa? Imagine um escritor ou jornalista que pretenda escrever sobre a vida de um gângster. Terá de lhe pedir autorização? Al Capone teria autorizado sua biografia sem cortes (no texto, que fique bem claro...)? Talvez ninguém tenha vivido para contar após a ousada tentativa, mas certamente a resposta seria “não”. Ou, se autorizasse, o conteúdo resultante o descreveria como um benemérito da sociedade, gerador de empregos, homem corajoso e que jamais se rendeu às injustiças do Estado opressor.
 
Humor ficcional à parte, a verdade é que a restrição às biografias impediria a realização de trabalhos sérios e isentos nesse gênero tão importante da literatura. Prevalecendo a tese do grupo “Procure Saber”, seria mesmo necessário conseguir autorização de um bandido para escrever a sua biografia. Juridicamente, mesmo preso e condenado, o facínora tem os mesmos direitos de qualquer cidadão quanto à privacidade. O exemplo evidencia a total falta de lógica na tentativa de censura por parte dos compositores, cantores e artistas.
 
Há algumas biografias autorizadas muito boas, bem escritas e corretas. Também é uma opção legítima de pessoas célebres difundir somente os capítulos de suas vidas que julgarem convenientes. Trata-se de um direito inquestionável. Contudo, não se pode negar a liberdade de expressão em sua plenitude. Restringi-la seria inconstitucional e inviabilizaria o próprio jornalismo e a prática científica da História. 

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