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COLUNAS


Francisco Viana
viana@hermescomunicacao.com.br

Jornalista, Doutor em Filosofia Política (PUC-SP) e consultor de empresas.

 

Mídia Training, modo de usar

              Publicado em 08/08/2014

Copyright Correio Braziliense - 08/08/2014

 

"A necessidade de ter razão marca uma inteligência grosseira"

Albert Camus, em esperança do mundo[1]

 

A polêmica que hoje envolve a CPI da Petrobras, a própria Petrobras, e a revista Veja, traz a luz uma velha questão: o que é o mídia training? Uma imagem, uma história milenar e um princípio essencial facilitam a resposta. A imagem é aquela de uma loja de ferramentas. Existem as ferramentas simples, do dia a dia, e existem as ferramentas complexas, destinadas aos reparos de máquinas de fazer máquinas. O mídia training, guardadas as proporções, corresponde às ferramentas complexas, porque se destina a corrigir erros de comunicação, além de clara definição de mensagens e públicos. Por isso, o treinamento exige prática, rigorosa dedicação e simulações da realidade com profissionais que entendam do funcionamento da mídia e do espírito das organizações. Sua espinha dorsal é a verdade factual.

A história se confunde com os avanços democráticos. Na Grécia Antiga, os sofistas percorriam as cidades ensinando o povo a falar, para que questionasse os aristocratas e os sábios fechados em seus saberes. Foram, digamos assim, os pioneiros nesse campo tão estratégico para a manifestação das massas, quanto educativo. No Renascimento encontraremos o ensino da retórica nas universidades, buscando preparar oradores para o exercício da palavra acima de antagonismos políticos. A ideia advinha dos conceitos de civilidade, respeito ao diferente e convivência política. Interessava construir um novo mundo após o longo eclipse da Idade Média.

A próxima etapa, já na segunda metade do século XX, foi a globalização. A mídia passou a ter influência decisiva na vida e na economia. Era indispensável conhecer a sua natureza profunda, suas técnicas, suas engrenagens. Também era inescapável aprender a falar para grandes massas. Assim, a prática do treinamento de mídia começou antes nos Estados Unidos, por volta dos anos 1960 e 1970, e no Brasil, ainda nos anos 1980.

Agora, se desenha um ciclo totalmente novo. De repente, com a emergência das mídias sociais e a rapidez com que as mensagens e práticas são cotejadas, descobriu-se – ou seria redescobrir? – o valor dos fatos e da coerência entre gestão e comunicação. Se há erros, deve-se admiti-los imediatamente e anunciar as necessárias correções de rumos.

A valorização do porque das coisas torna-se vital para a construção de uma imagem, reputação e identidade. Como o tempo se acelerou, inclusive para os políticos, a comunicação precisa prever os acontecimentos à frente. É um xadrez para mestres, não para iniciantes. Antes se dizia: não basta fazer, é preciso mostrar. Agora, a palavra de ordem é prever. Quanto mais os cenários forem desdobrados à frente, maior será o valor da comunicação. Erros, mentiras e contradições serão sempre descobertos. Jornalistas são como beduínos no deserto: se os beduínos encontram sempre a água, o jornalista vai sempre descobrir a notícia e suas contradições factuais.

Isso significa que a parte técnica do treinamento não pode se confundir com ficção nos posicionamentos. O que impressiona é o desvirtuamento do mídia training. Em lugar de educar-se as pessoas para ater-se à verdade factual e procurar soluções para os problemas, prepara-se os entrevistados para repetir as mesmas palavras, a mesma formalidade institucional e, muitas vezes, as mesmas mentiras.

A evidência desta realidade de marionetes encontra-se na erosão, em larga escala, dos porta-vozes, carentes de credibilidade e dessa palavra-chave que é confiança. É como se os treinamentos se tornassem brincadeiras de criar versões para fatos que falam por si. É como se as pessoas que treinam, ao se distanciar dos fatos, brincassem com suas vidas e carreiras.

Os fatos são o elo comum entre o trabalho da mídia e os porta-vozes das organizações. Desde os antigos sofistas ao Renascimento, da globalização à era das mídias sociais, a boa comunicação, qualquer que seja o tema, é alicerçada em fatos, não em versões. Fatos são graníticos e teimosos, versões são voláteis e frágeis como  lágrimas ao sol.

Nada disso, porém, guarda qualquer relação com o conhecimento prévio, tal como denunciou a Veja, de questões a serem formuladas pela CPI da Petrobras e o rápido treinamento dos envolvidos. O nome desse episódio é crise. No caso, crise dentro da crise. Caberia aos comunicadores das instituições, se ouvidos forem, de alertar para a estridência do sinal vermelho. Essa seria a verdade factual lúcida e luminosa. A se confirmar as denúncias da revista: reputações serão dilaceradas e, cedo ou tarde, rolarão as cabeças dos participantes do treinamento.


[1] CAMUS, Albert, Esperança do mundo, Trad. Rafael Araújo e Samara Geske, São Paulo: Editora Hedra, 2009.


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