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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

Toda convicção é uma prisão

              Publicado em 06/03/2014
Toda convicção é uma prisão. A frase não é minha, mas de Nietzsche, o filósofo alemão, que, mesmo já tendo partido daqui há mais de 100 anos, parece ter deixado essa frase como uma profecia - ou, a observar o que vem se passando nos dias de hoje, uma maldição.
 
De fato, não precisamos voltar à época de Nietzsche para entender o que ele quis dizer. Simplesmente, observemos a nossa volta. Observemos as torcidas que se juntam em torno de temas eternamente quentes, polêmicos, apaixonados: política, religião e, no nosso caso, futebol. Observemos o que se passa – continua passando – com o mensalão, onde todo dia – ou quase – uma facção ataca a outra.  Quem defende a ideia de que os políticos presos são, na verdade, presos políticos, ataca o outro lado, exigindo vingança via tratamento semelhante ao possível mensalão do partido adversário, condenando a todo mundo que não está do seu lado de “liberais de direita”. E quem defende a ideia de que a justiça finalmente foi feita chama o outro lado de “defensores de corruptos”.  O curioso é que os mesmos grupos parecem se congelar em suas posições e, quando as ruas são tomadas na Venezuela, os primeiros defendem o “governo democrático” de Maduro, enquanto os outros defendem os manifestantes que se rebelaram contra o “governo autoritário” de Maduro. 
 
Tenho a sorte de ter um amigo venezuelano e chavista até a última raiz dos cabelos – do tipo que acredita realmente numa conspiração norte-americana contra o seu país. Não acredito em qualquer participação da CIA nas manifestações na Venezuela, nem consigo me identificar com o estilo populista cunhado por Chaves e seguido por Maduro. Mas, quando escolho escutar meu amigo, tenho a oportunidade de conhecer o lado de alguém que vive na Venezuela e me conta sua perspectiva do que é viver na Venezuela de Chaves e de Maduro. E contrariamente ao que grande parte de meu círculo de amigos brasileiros fala, meu amigo venezuelano nem de longe é o mal encarnado. Pelo contrário, é uma pessoa doce, carinhosa, romântica, idealista e genuinamente preocupada com as condições de vida de seu povo. Também não é nenhum cego fanático pago pelo governo para apagar os registros do que está acontecendo nas ruas. Se existe algum cego nesse caso, somos nós, que não vivemos na Venezuela e ficamos comentando o que acontece lá confortavelmente de nossos sofás e por meio de informações que são compartilhadas, na maioria das vezes, sem sequer checarmos a fonte. Tanto é que muitas das fotos que foram circuladas sequer foram tiradas na Venezuela ou eram de outro contexto – mas ai de você se resolve revelar o engodo! 
 

Também tenho a sorte de ter muitos amigos petistas, que defendem com unhas e dentes o governo Dilma e os “presos políticos” do PT. Mesmo que alguns deles possam, eventualmente, me colocar entre seus adversários, quando mostro que, mesmo pensando diferente, respeito suas opiniões, podemos continuar amigos sem problemas. Um deles é uma jornalista em Pernambuco e, certa vez, trouxe-me sua perspectiva a respeito do Bolsa Família, programa que eu execrava, como faz a grande maioria das pessoas que conheço. Disse que, em suas viagens pelo agreste pernambucano, chegou a ver famílias inteiras morrerem de fome e que essa situação simplesmente acabou desde que o programa foi criado. Ao ouvir esse relato, senti que todos os meus argumentos caíram por terra. Não me tornei um defensor da iniciativa, que ainda considero de forte caráter eleitoreiro, mas fui capaz de incluir a perspectiva de que ele pode estar salvando a vida de muita gente, gente que não conheço, assim como não conheço a realidade das pessoas pobres que meu amigo venezuelano diz que o governo de Maduro tem ajudado. E quando me dou conta de que o que conheço como mundo é totalmente dependente de minha limitada capacidade de percepção, penso duas, três, muitas vezes antes de dizer que fulano está certo e sicrano está errado. Penso muitas vezes antes de dizer que todo chavista é idiota ou que todo opositor ao PT é de direita. E recomendaria que você que me lê também fizesse o mesmo - claro, se o que você deseja é conviver. Porque você também pode escolher não conviver com o outro e ficar com o mundo diminuído ao tamanho de suas convicções. 


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