O Brasil vive uma situação paradoxal: quanto maior a liberdade, maior a intolerância. É como se houvesse uma vontade incontida de fazer como que todos fossem duplo dos outros, cópias fieis, como pregavam as utopias sociais, conservadoras ou à esquerda, nos séculos XVI e XVII – De Morus a Campanella. É um erro. Sem a crítica, não há evolução, não há dialética. Nem do conhecimento, nem da prática. Comunicar é partilhar, dialogar, absorver as diferenças.
Pode-se constatar o paradoxo da realidade pela comunicação, por exemplo, nas mídias tradicionais ou no Facebook. Nas mídias, o retrato é de um País em permanente conflito: nas mobilizações de rua, na violência crescente, nas tentativas de linchamentos ou na perseguição aos homossexuais, enfim, a lista é tão extensa quanto os problemas do cotidiano. Grassa a contradição dos fatos.
No Face, a intolerância se manifesta pela forma deselegante com que as pessoas se tratam, recorrendo, inclusive, ao uso de palavrões e adjetivos nada edificantes. Grassa a não aceitação do pensamento do outro, embora sejamos uma sociedade democrática e plural. Diversa por história e cultura. São pedaços de uma mesma realidade que, se somados, formam um todo trágico.
Por que tudo isso? Historicamente, o Brasil não tem hábito de liberdade. Enquanto a Europa transitou entre o capitalismo e o socialismo, entre 1500 e 1900, nós vivemos confinados no escravismo. Nosso movimento republicano foi tímido, sem povo, e, depois, vivemos oscilando entre ditaduras e aberturas políticas, mas sem jamais termos uma democracia autêntica.
Essas nuanças são a narrativa oculta de uma comunicação que está nas ruas. Encontrar um novo patamar de liberdade exige tempo, exige tolerância. Um conceito que flui e reflui desde o século XIII quando o edifício do dogmatismo religioso começou a apresentar rachaduras e ruiu. A intolerância religiosa recuou, mas em seu lugar passou a ganhar forma, e força, a intolerância política.
O Brasil pode e deve evitar a intolerância política. Não serva à nada, nem a ninguém, salvo aos mercadores do medo. Certamente, é o momento de ler e reler Habermas e colocar em prática, com as necessárias adaptações, a sua teoria da ação comunicativa, fazendo prevalecer o direito e a sensibilidade humana. Fazendo o desenvolvimento humano preponderar sobre o atavismo.
Afinal, para que serve a política senão para tornar a vida mais feliz e melhor? Esse é o erro da intolerância: desconhecer o real sentido da liberdade que começa e termina no outro. Sem a liberdade do outro não existe a nossa liberdade. E sem a liberdade da sociedade não existe nenhuma outra liberdade.
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Leitura recomendada:
CARVALHO de, José Murilo. Os bestilizados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.