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Luli Radfahrer
luli@luli.com.br

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Ph.D. em Comunicação Digital pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP, onde é professor há 18 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, Estados Unidos, Europa e Oriente Médio. Mantém um blog com seu nome, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Tem uma coluna semanal na Folha de S. Paulo e uma coluna mensal na Revista Imprensa.

Fantasminhas camaradas

              Publicado em 20/02/2014
Há algo de fantasmagórico no mundo superconectado. Lâmpadas que acendem e trocam de cor sozinhas, casas que controlam sua temperatura interna, balanças que registram o histórico de seus usuários, carros gamificados, eletrodomésticos robotizados... o que há pouco tempo era coisa de ficção científica, hoje é cada vez mais comum. Como se estivessem encantados por fantasmas amigáveis, as paredes têm olhos, ouvidos e sentidos muito mais aguçados do que os seus limitados donos.
 
"Meu Deus, isto fala", teria dito D. Pedro II, espantado, ao ouvir o primeiro telefone. O Imperador, vale lembrar, não era um caipira. Muito pelo contrário, ele era um erudito. Patrocinador da ciência, respeitado por Charles Darwin e amigo pessoal de Louis Pasteur, não era de se impressionar à toa com qualquer novidade. Mesmo assim, não conseguiu conter o espanto quando ouviu a voz que saía daquela caixa preta.
 
A tecnologia avança a passos muito rápidos. É cada vez mais difícil identificá-la. Descobertas de todos os tamanhos, do sistema fly-by-wire dos aviões a um reles parafuso são incorporadas ao cotidiano e assumidas como “normais”, como se sempre estivessem por ali. Quando novas ideias melhoram um projeto já existente, os velhos medos persistem. Os antigos temiam que as máquinas dessem choque, porque o isolamento elétrico era deficiente. Um pouco depois veio o medo de que os aparelhos dessem pau, porque o software que os controlava era deficiente. Hoje o maior pesadelo é a desconexão, seguido de perto por uma invasão por hacker ou o colapso de algum serviço da nuvem. Ele logo passará.
 
O avanço é tão grande que não há tempo para questionar cada parte do processo. Como os índios que riam dos caraíbas fascinados por cada bicho, planta ou rio, os nativos digitais se divertem com o espanto e a admiração dos mais velhos. Fotografia sem filme, música sem discos e computador sem teclado são parte integrante do cotidiano, não podem ser percebidos separadamente. Nesse contexto não espanta que a maioria dos mais novos seja incapaz de conceber o mundo primitivo em que seus pais, primos ou irmãos viveram.
 
O escritor Arthur C. Clarke defendia que "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica". É verdade. Mas uma vez compreendida e assimilada, é incorporada de tal forma com a realidade que todo o espanto desaparece. Como dizia o cientista da computação Alan Kay, "tecnologia é o que existia antes de você nascer".
 
Há pouco tempo as rupturas tecnológicas ainda eram perceptíveis, podiam até ser medidas por mudanças de gerações. No século 20, ninguém de bom senso afirmaria ser capaz de reinventar um segmento industrial ou tecnológico em menos de trinta ou quarenta anos. Bill Gates, Steve Jobs, Jeff Bezos e Elon Musk mostram que isso é, sim, possível. Nos laboratórios de pesquisa de grandes empresas e universidades, ideias, antes restritas aos centros de inteligência de agências internacionais, são discutidas abertamente. Viagens espaciais, formas alternativas de energia e combate às mudanças climáticas são assuntos quase tão populares quanto os relacionamentos das celebridades - e muito mais sérios e duradouros.
 
Vivemos em uma época de superdependência crescente, em que cada invenção alavanca outras, criando reações em cadeia cada vez mais complexas, beirando o imprevisível. Cada nova ideia surpreende tanto pelo que é capaz de oferecer quanto pelo que é capaz de abrir caminho para outras ideias. Não é possível explicar o sucesso de produtos como o Instagram sem o avanço de smartphones, redes sociais, câmaras digitais e de uma comunicação cada vez mais visual, da mesma forma que não seria possível conceber o Twitter se o SMS nunca tivesse existido, Angry Birds antes da popularização de aplicativos móveis, YouTube sem banda larga ou uma série de produtos sem Facebook.
 
O próximo degrau da inovação está na Internet das Coisas. Nos próximos anos, objetos que até então eram inanimados, começarão a falar, ouvir, sentir, interagir, se adaptar e analisar o contexto em que vivem. O conceito até parece óbvio, mas antes da Computação em Nuvem ele era inviável, já que o desperdício de processadores e memória em um fogão, televisor ou bicicleta "inteligentes" não compensariam o investimento.
 
A conexão resolveu o problema. Enriquecidos com sensores, câmaras e antenas conectadas à rede, máquinas comuns, até então burras e obedientes, poderão trocar ideias com bases de dados inteligentes e gigantescas, que as dirão como proceder em cada situação. No começo a mudança será tangível e perceptível, considerada uma bobagem fútil pelos velhos que viveram sem ela e uma obviedade para os que nasceram depois de sua popularização. Com o tempo, esses objetos sensíveis e integrados começarão a trocar informações entre si, agindo em conjunto para aumentar sua eficiência. 
 

Não faltarão paranoicos com medo que sua casa se rebele contra eles. Mas eles logo se acomodarão. Sua única - e melhor - opção será o discernimento para usar cada tecnologia conscientemente, já que provavelmente não existirá a opção de uma vida civilizada fora de sua área de influência. 


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