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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

Pero que si, pero que no (Português)

              Publicado em 22/10/2014

Lá fui eu para a Venezuela tocar meu primeiro workshop em língua espanhola. As instruções de segurança enviadas pelo cliente me deixaram completamente... inseguro! Aterrorizado seria uma palavra mais apropriada. Não devia sair do saguão do aeroporto de jeito algum sem o acompanhamento do motorista, pois o risco de ser assaltado ainda no estacionamento era grande. Até foto do motorista me enviaram. Chegando na agência de turismo onde deveria encontrá-lo, a pessoa que se apresentou não batia com a da foto. Sim, era outra pessoa, me explicou o atendente da agência, pode confiar. Segui-o desconfiado e, no caminho para o hotel, fiquei ainda mais assustado. Nunca vi tantas favelas em minha vida, e olha que moro em São Paulo. Como o hotel ficava dentro de um centro comercial, decidi me encarcerar ali mesmo. Desavisado, resolvi pagar a conta do jantar com o cartão de crédito. Aprendi a duras penas que o câmbio venezuelano é dos mais confusos. O câmbio oficial para turista era de 6,3 bolívares para cada dólar. A conta? Mais de 100 dólares! Já o câmbio oficial para venezuelanos estava em 50 bolívares, e o paralelo chegava a quase 100 bolívares. Resultado, depois de trocar alguns dólares, voltei ao restaurante no dia seguinte e minha conta baixou para 8 dólares.

À noite, dei uma revisada geral no deck de slides para praticar mais uma vez meu espanhol. Entendo e leio bem, falo com certa fluência, mas nunca havia facilitado um workshop de dois dias em espanhol: Taller de Comunicación Cara a Cara. Até o nome me parecia meio amedrontador. Suspeitava que, dominado pelo medo, o portunhol iria tomar conta. E aí começa a funcionar exatamente o que ensino em meus workshops...

Nosso sistema nervoso vive como verdade tudo o que vive no momento em que vive. Costumo exemplificar essa lei sistêmica organizada por meus professores Humberto Maturana e Ximena Dávila no livro Habitar Humano em Seis Ensaios de Biologia-Cultural, com a imagem de que, para o sistema nervoso, não importa se temos um leão faminto a nossa frente ou estamos no meio de uma discussão dura. A reação é a mesma: coração dispara, secreção de cortisol e adrenalina, sangue bombeado para os músculos, preparando-os instantaneamente para lutar (o leão parece pequeno), fugir (leão grande) ou paralisar (se eu me fingir de árvore, talvez ele não me veja). O nome disso? Medo! E quando o sangue se desloca para as extremidades, o que acontece? Perdemos a cabeça, literalmente! Conta-se que o Dalai Lama teria revelado que ele também tem raiva de vez em quando – “muita raiva, mas passa rápido!” Raiva é uma dessas emoções que tomam conta da gente e, como o medo, nos fazem, mesmo, perder a cabeça. Basicamente, o que aprendi a fazer com o Dalai para me desapegar dessas emoções é respirar, respirar profundamente. Aos poucos, o coração desacelera, o sangue volta a oxigenar o cérebro, reflito sobre o que acabo de viver e percebo que o leão era de mentirinha.

Como, no entanto, estou longe, muito longe de ser um Dalai, só respirar não resolve. Assim que cheguei à sala, identifiquei uma daquelas pessoas que parecem sorrir por dentro. Bastava uma pontinha de medo aparecer e eu já olhava na direção dela e a via com o sorriso apaziguador. Logo percebi outros sorrisos e olhares amistosos e fui incluindo aos poucos a turma toda nesse tipo de interação, porque algo que funciona comigo quando estou com um grupo de pessoas é, mais do que o cara a cara, o olho no olho e a proximidade física. Aproximar-se das pessoas, olhando-a nos olhos, ajuda muito na criação de rapport, mas, por favor, com movimentos lentos e suaves, para não ser confundido com um leão faminto. Ah, sim, tem também a construção de um espaço horizontal, minimizando a separação entre “professor” e “aluno”. Costumo até subverter a etimologia da palavra aluno contando que, se considerarmos o sufixo “a”, que em grego significa “sem” e a palavra “lumen”, o latim para luz, temos o aluno como alguém “sem luz”, cabendo ao professor a função de iluminá-lo. Faço essa licença poética justamente para quebrar o gelo entre “eu e eles”, reforçando que um workshop é um espaço de coaprendizagem, onde cada um tem algo a ensinar para o outro e todos aprendem juntos, inclusive eu, claro. Tanto é que, consciente de minhas limitações com a língua, pedi e obtive ajuda em tradução e pronúncia sempre que tinha dúvidas. Resultado: maior interação, maior proximidade, maior aprendizagem, maior colaboração e valorização do conhecimento de cada um e, principalmente, um espaço sem leões para nos amedrontarem.

Mas sabe o que está por trás de tudo isso? Uma intenção. Porque qualquer técnica de comunicação não produz resultados sustentáveis sem a intenção real de conviver com o outro. Por isso, a pergunta que me faço todas as vezes que vou iniciar um trabalho, qualquer que seja ele, e que aproveito para também fazer a você é: Você quer ou não conviver com o outro? Você vê no outro um meio, um instrumento para atingir um objetivo ou alguém com tanta legitimidade quanto você para expressar suas ideias e opiniões e viver de modo coerente com o mundo no qual acredita? Porque, se você não quer conviver, se você vê no outro o instrumento ao invés da pessoa, o melhor espanhol do mundo será totalmente inútil para conectar-se com o outro num nível onde vocês deixem de reproduzir mediocridade e façam juntos algo verdadeiramente excepcional, “duela a quem duela”.


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