Da aldeia global à torre de babel
Sonhávamos com a aldeia global, estamos na torre de babel. Quanto mais conectados, mais solitários, quanto mais próximos dos diferentes, mais escancarada fica a nossa dificuldade de conviver, quanto mais informação, mais incomunicação. Dominique Wolton, sociólogo francês que provoca tempestades epistemológicas por onde passa e quem inspira as expressões que abrem este texto, na contramão de macroverdades, insiste em (re)pensar a evolução tecnológica a partir da comunicação na perspectiva sociológica e emancipatória, ou seja, das pessoas e das relações. Esteve recentemente em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, e figura nesta semana também na coluna de José Eustáquio Oliveira, neste mesmo espaço que, aliás, o definiu muito bem como um integrante da “banda dos que vieram ao mundo para desafinar o coro dos contentes”.
Estava reservando algum dos meus textos para falar de temas que Wolton traz a tona em suas obras mais recentes. Resolvi antecipar e trazê-lo no artigo deste mês. Há tanto por pensar e dizer das noções que ele discute, entre elas a de coabitação, incomunicação, das solidões interativas, da relação não diretamente proporcional entre técnica e intercompreensão, e da questão aparentemente banal, mas que muda o rumo do nosso jeito de pensar a comunicação quando refletimos com mais atenção: informar não é comunicar, título de uma de suas obras.
Descobri Wolton nos tempos de mestrado. Enquanto revia – e desconstruía – tudo que sabia até então sobre a comunicação, ele me trouxe um olhar necessário em meio à atual utopia tecnicista, expressão também de sua autoria que faz referência à falsa ilusão de que a tecnologia é capaz de resolver problemas que são fundamentalmente sociais e humanos. Para além das suas controversas, citações sobre internet e afins; é neste ponto que, a meu ver, Wolton tem muito a contribuir: é preciso (re)pensar a comunicação. Arrisco dizer que é preciso (re)pensar a comunicação organizacional a partir de outros pensamentos sobre comunicação e, para isso, a leitura e comprensão do que de Wolton propõe é essencial e oportuna.
Repensar sobre seu viés mais genuíno: as relações, a alteridade, o Outro. Essa caixa preta que torna a comunicação uma ciência absolutamente incerta. Comunicar é isso, afirma o sociólogo: reconhecer a importância do Outro, ir ao encontro dele, admitir nossa dependência em relação a ele e a incerteza de ser compreendido. Só essa frase abre margem para inúmeras reflexões no campo da comunicação empresarial e a clássicas teorias sobre stakeholders (e outras teorias tantas). Que lugar esse Outro ocupa no processo comunicativo? Nos planos de comunicação, nas decisões organizacionais, nos discursos e nas práticas? Nos ambientes empresariais (e fora deles, nas ruas, no supermercado, nos parques, nos estádios), sabemos efetivamente coabitar ou apenas disfarçamos aceitar nossas diferenças numa falsa e hipócrita convivência?
Enquanto teorizamos sobre paradigmas que movem nosso tempo, e em meio aos inúmeros casos lamentáveis - e inacreditáveis – de intolerância que presenciamos nas últimas semanas, na política, no futebol, no trânsito, na esquina das nossas casas, Wolton nos faz lembrar que a revolução do século XXI não é a da informação, mas da comunicação e da intercompreensão. Não é da mensagem, mas da relação. Não é do excesso de dados, de meios, de canais, mas da necessária convivêcia de distintos pontos de vistas (e de distintos gostos, gêneros, cores e raças). Enfim, nosso tempo não é marcado pela revolução da produção de informações ou do compartilhamento do que temos em comum, mas da necessidade de aprendermos, urgentemente, a administrar – e aceitar – as diferenças que nos separam.
Para quem quiser conhecer o pensamento de Wolton sobre comunicação, indico especialmente três obras:
Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina, 2010
É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006.
Pensar a Comunicação. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.
Boa leitura!
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