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Marco Antônio Eid


Jornalista, escritor e executivo da área de comunicação, é Diretor de Conteúdo da RV&A (Ricardo Viveiros & Associados - Oficina de Comunicação).

O proselitismo político e a fábula de vovó Júlia

              Publicado em 17/09/2014

Para os jornalistas e relações públicas, é sempre interessante observar e analisar o conteúdo das frases ditas por personalidades, políticos e formadores de opinião. Tal critério e o zelo com a semântica são obrigações profissionais, que permitem separar o concreto da retórica, o viável do onírico e as declarações éticas das levianas palavras ao vento.

A campanha eleitoral deste ano, assim como a oratória de numerosos políticos, é terreno muito fértil para esse processo de avaliação linguística do discurso. Para evidenciar isso, fiz um rápido exercício de desconstrução de frases dos três principais candidatos à presidência da República nas eleições gerais de 2014.

  • O slogan da candidata Marina Silva — “Não vamos desistir do Brasil — é inversamente proporcional ao imenso esforço que todos estamos fazendo para o que o Brasil não desista de nós, a sociedade! 
  • O presidenciável Aécio Neves disse à imprensa que tem “uma Seleção Brasileira de pessoas para compor o governo.” Esperamos que o time de tucanos seja melhor do aquele, o dos canarinhos, que tomou sete estilingadas da Alemanha.
  • Dilma Rousseff defendeu as alianças políticas, inclusive com Fernando Collor de Mello. Qual partido, à época do impeachment, foi às ruas, estimulou a ação dos caras pintadas e condenou a corrupção no governo?
  • Aécio Neves afirmou ser contrário à reeleição. Qual partido lutou de modo renitente e conseguiu aprovar a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998?
  • As duas posições acima dos candidatos mostram que o passado continua imprevisível no Brasil.
  • Dilma Rousseff afirma que Aécio Neves não sentará em sua cadeira; Aécio diz que Marina Silva está se colocando como vítima; Marina acusa Dilma de ressuscitar o medo. A orelha do povo, como a petista deseja ao tucano, é que está em pé. Afinal, nada causa mais medo do que o proselitismo político, do qual a população é a grande vítima.

Essas questões semânticas evidenciam ser necessário cuidado com o que se fala, pois pode ser muito alto o preço pago, inclusive por terceiros inocentes, pelo discurso vazio e descompromissado. Tais reflexões fizeram-me lembrar de antiga fábula que minha avó libanesa, a doce Júlia Gabriel Eid, me contou...

Em algum lugar do mundo árabe, um sultão pensava estar próximo da morte. Então, pediu ao seu grão-vizir que lhe sugerisse uma frase para que, ao falecer, sua sabedoria fosse legada à posteridade. Dias depois, o vizir apresentou ao sultão frase em estranho idioma, que disse ser o dos sábios, com especial sonoridade e métrica contagiante. Quando sentiu que estava próximo de partir da vida, encantando com a beleza formal daquelas palavras e mesmo não conhecendo o seu significado, o sultão reuniu parentes, conselheiros e o seu escriba para deixar registrada a sua frase genial. Proferiu-a e, pouco depois, se elevou aos braços de Alá. Especialistas foram convocados para descobrir em que língua dissera suas últimas palavras e as decifrar. Eis a tradução: "Deixo meu reino e toda minha riqueza ao meu fiel e querido grão-vizir".


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