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Pollyana Ferrari


Pollyana Ferrari é escritora e pesquisadora em Comunicação Digital. Professora de hipermídia e narrativas transmídias nos cursos Comunicação e Multimeios, Jornalismo e na Pós-Graduação Strictu Sensu de Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD), todos ligados à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Autora dos livros “Jornalismo Digital”, ”Hipertexto, Hipermídia”, “A força da mídia social” e “No tempo das telas”. E instrutora da Aberje desde 2001. 

A web é um corpo social que precisa de cuidados

              Publicado em 25/08/2014

“Ética, generosidade, honestidade e altruísmo são virtudes cada vez mais raras num mundo onde pessoas cobram para doar sangue e empresas pagam mendigos para guardar lugar em filas. É nessa sociedade que você quer viver?”, pergunta o jornalista Leandro Beguoci em reportagem na revista Galileu. Nos Estados Unidos já é possível pagar para alguém segurar seu lugar na fila do show, do cinema, do estádio. Mendigos e moradores de rua são contratados por empresas para realizar esse serviço. Novamente a questão do tempo. Aquele slogan, tempo é dinheiro, que tanto povoou a mente dos executivos nos anos 90, cada vez mais, com a ajuda da tecnologia social, tem criado problemas de exclusão social, gerando obesidade infantil, depressão entre outras anomalias do nosso tempo fluxo.

Segundo Nicholas Carr, autor do livro A geração superficial, “quando estamos on-line frequentemente estamos desligados de tudo ao redor. (...) Para difundir nossos pensamentos através de postagens em blogs ou atualizações do Facebook, a nossa reputação social está, de um modo ou de outro, sempre em jogo, sempre em risco”. Esse risco eminente muitas vezes ganha roupagens mais sedutoras como, por exemplo, no caso do aplicativo Secret. Inicialmente, a missão do APP, criado nos Estados Unidos, em janeiro de 2014 e desde maio sendo usado por brasileiros, era a criação de um espaço no qual as pessoas em anonimato conseguissem compartilhar suas angústias e anseios, ou somente segredos por meio de fotos e textos.

Rapidamente o aplicativo virou uma ferramenta para cyberbullying, para brigas de família, términos de namoro, além do perverso revenge porn, a pornografia de vingança. Ato de compartilhar imagens de cunho sexual, em geral explícito, sem o consentimento do fotografado, após brigas. Acrescentarei nesse papo, as manifestações de falta de educação, piadas e memes de mau gosto, teorias da conspiração, dedos apontando "culpados", que circulam na web após a morte de uma personalidade pública. Foi assim com o ator norte-americano Robin Williams e também com o político Eduardo Campos.

Em questão de horas, a web ganha uma avalanche de versões de mau gosto. Para a educadora Andrea Ramal, “os pais precisam ficar atentos a formação ética dos filhos. Cuidem de princípios que são imprescindíveis para a convivência social. Formem para a civilidade. Ensinem critérios éticos para guiar todas as atitudes da vida, inclusive o que se diz e se pratica na internet”. Não acho que seja apenas uma missão dos pais, mas também dos gestores de Comunicação, dos educadores, dos amigos, dos avós, dos tios, etc. Do mesmo modo que apoiamos bandeiras como reciclagem, diminuição do consumo, respeito às diversidades políticas e sociais, precisamos cuidar do conteúdo que trafega na internet. A web é um corpo social que precisa de cuidados.

Se você compartilha e acha engraçadinho zombar de Eduardo Campos que acabou de morrer, o que esperar das suas postagens no Secret? Aliás, pra que serve o Secret? Já se perguntou antes de baixar o APP e começar, munido de “certo” anonimato, a contar segredos alheios ou humilhar pessoas? O brasileiro é conhecido por fazer piadas até das próprias desgraças. Foi assim na Copa do Mundo e em outros grandes eventos públicos. Mas a nossa paixão por redes sociais e o uso desenfreado tem impedido de existir um tempo de decantação, reflexão. Entramos na manada e começamos a xingar e fazer piadas antes de refletir um minuto o que isso melhora a vida no planeta.

Carr explica isso pelo excessivo uso do córtex pré-frontal enquanto navegamos na web. “O redirecionamento dos nossos recursos mentais, da leitura de palavras para a realização de julgamentos, pode ser imperceptível para nós ao clicarmos, mas foi demonstrado que esse uso cerebral excessivo impede a compreensão correta dos fatos”. Cada vez mais penso e pesquiso sobre a questão do tempo na vida atual.

O bolinho de caneca

Estamos criando crianças obesas pois, como pais, compramos mais alimentos processados do que naturais – tudo com a justificativa de ganhar tempo. Mães não tem tempo. Ninguém tem tempo. Ou seja, o tempo de lavar o alimento, cortá-lo, prepara-lo e servir não existe mais. Queremos o bolo de caneca de 1 minuto. E iremos saboreá-lo na frente de uma tela, aliás cada um na sua tela e na sua caneca. O bolo não serve apenas para matar a fome de doce em 1 minuto. O bolo serve para socializar a família em volta da mesa. Por que gastar um minuto curtinho a piada de mau gosto sobre a morte de Eduardo Campos, enquanto seu bolo de 1 minuto está no micro-ondas, em vez de gastar esse tempo batendo a massa com as mãos na cozinha? Pense nisso quando estiver fazendo suas compras no supermercado. Pense nisso quando estiver na fila do check-in do aeroporto olhando suas notificações no Facebook. Tempo não é só dinheiro. Tempo é encontro, socialização, generosidade. 


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