Paradoxos
Existem dois marcos da democratização brasileira, ambos reais. O primeiro foi a mobilização das Diretas já, que reuniu cerca de 2 milhões de pessoas em São Paulo e 1 milhão no Rio de Janeiro, entre janeiro e abril de 1984, portanto há mais de 30 anos; o segundo, foi a promulgação da Carta Cidadão de 1988, que restaurou as eleições diretas em todos os níveis, a começar pela escolha da presidência da República. Pode-se, também, considerar-se como marcos democráticos o impeachment de Fernando Collor de Mello, as eleições por dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, este um líder operário à esquerda, e de Dilma Rousseff, está também à esquerda, a primeiro mulher a ocupar a presidência da república.
Para cada um desses momentos chave da história, corresponde uma tentativa de escapar à crescente crítica da mídia. Como elos fortes dessa mesma corrente se somam recursos tais como: o jornalista pergunta uma coisa, o entrevistado responde outra; colocado nas cordas pelo entrevistador, seja qual for o assunto, o entrevistado responde com argumentos idênticos, previamente ensaiados; quando as denúncias crescem em espiral, aqueles que estão no olho do furação simplesmente reclamam serem vítimas de ‘linchamentos mediáticos’ e, por fim, chega-se à sofisticação, se é que se pode utilizar tão refinada palavra, de simplesmente negar a existência dos fatos. O tronco ancestral dessas práticas encontra-se ainda no período da ditadura militar, o singelo “nada a declarar” de Armando Falcão, que foi ministro da Justiça no Governo Geisel, época da distensão política, lenta e gradual.
Na realidade, não há como negar os fatos. Nem muito menos como fugir deles. Fatos são teimosos e não se dissipam jamais, mesmo quando aparecem e circulam. O resultado é uma comunicação mais baseada na propaganda e no marketing do que na informação factual. Vive-se assim o império da imagem, hoje cada vez consumida pela fornalha dos fatos. Na peça A Flor do meu bem querer (2003), de Juca de Oliveira, por exemplo, o temor à mídia sobrevoa a vida dos políticos. O senador Zé Otávio, corrupto por trajetória, treme todas as vezes que seu nome aparece negativamente na mídia. Em seus momentos de desespero, a mídia ganha os contornos de um juiz implacável e esse juiz é a opinião pública. É o que se repete hoje, em escala ampla, com as mídias sociais.
Esses paradoxos relações, democracia e mídia parecem se condensar na campanha oficial que, agora, chega à mídia para tentar resgatar o apoio da sociedade à Copa do Mundo, às vésperas dos jogos. Como uma iniciativa dessas num país que, historicamente, se caracteriza como a terra do futebol? Não tivessem surgido tantas contradições, a começar pela construção de um sem número de estádios numa época em que as pessoas assistem jogos pela televisão, e todo um extenso cortejo de problemas diariamente noticiados, a campanha seria totalmente desnecessária. De futebol, o brasileiro entende.
Pergunta: não seria mais fácil vir a público e explicar que foi um erro sediar a Copa e, assim, divulgar a mensagem universal de que é importante receber os visitantes de forma fraterna, deixando para discutir a herança da Copa no momento seguinte aos jogos? Afinal, Copa é festa e festa não é o momento para confrontos. Estratégias construtivas são o que não faltam, porém sem recurso à uma campanha dispendiosa e sem sentido, sobretudo quando se vive uma crise política de proporções e se está às vésperas de uma eleição presidencial. Foi um erro foi, mas a Copa deve ser vista como um momento de trégua, não de confronto.
Dito isso, por qualquer ângulo que se avalie, a campanha lembra a velha e ultrapassada forma de não encarar os fatos. A forma contemporânea trilha o caminho inverso: enfrentar os fatos e trabalhar para superar as próprias contradições. Ou seja, admitir o erro e buscar corrigi-lo. Não repetir um erro com outro erro.
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Leituras recomendadas :
CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
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