O fenômeno da aceleração do tempo tem sido cada vez mais estudado no mundo científico e igualmente debatido na mídia, no meio corporativo e nos espaços de reflexão sobre a contemporaneidade. Seu principal motor foi a revolução tecnológica dos meios de informação, que decuplicou os efeitos da revolução industrial, dois séculos antes, sobre a economia, a sociedade e a política, ou seja, sobre tudo e todos nesse nosso mundo cada vez mais ocupado, tanto no seu espaço físico quanto na disponibilidade de tempo de seus habitantes.
Aprofundam-se, também, as pesquisas sobre as relações do tempo acelerado, reconhecido como uma característica da sociedade atual, e o tempo psicológico das pessoas e suas capacidades de absorver, processar e utilizar tantos estímulos de forma produtiva e saudável. Hoje já se considera que há tanto ou mais prejuízo do que lucro na conta de chegada do tempo inflacionado. O sociólogo alemão Hartmut Rosa, citado por Alexandre Rodrigues em artigo recente no caderno Eu & Fim de Semana do Valor Econômico, defende que “o excesso de atividades anulou os ganhos que a tecnologia trouxe ao tempo das pessoas”. “O resultado é uma epidemia mundial de estresse, ansiedade e insônia”, conclui Rodrigues.
Ora, o tempo cronológico, como grandeza física, é igual para todos, como é o dia de 24 horas. O que mudou foi a nossa exposição a uma infinidade de estímulos, à múltipla possibilidade de interações e ativações que nos exigem escolhas únicas diante de cada vez mais opções, tudo aqui, agora e ao mesmo tempo. Ou seja, temos milhares de alternativas, mas somos os mesmos, com as mesmas limitações que tinham os nossos antepassados, que se moviam à velocidade dos cavalos e das embarcações a remo e a vela.
Até como reflexo das novas tecnologias, mudou também a demografia. Impulsionada pela medicina e pela farmacologia, a expectativa de vida dobrou entre 1900 e hoje, passando de 40 para 80 anos (na média entre as diversas projeções e países). E a população mundial mais que quadruplicou: de 1,65 milhão para os mais de 7 milhões hoje. O resultado no “tempo vivido” da humanidade é formidável. Por essas estatísticas, a soma das vidas dos habitantes do mundo em 1900 era de 66 milhões de anos, numa multiplicação simples. Hoje, nossos contemporâneos vivem uma vida coletiva de 560 milhões de anos, uma “produtividade do tempo” nove vezes maior em pouco mais de um século!
É essa progressão geométrica que potencializa a simultaneidade e nos expõe a tanta transformação, sem que se modifiquem, na mesma velocidade, os nossos princípios vitais e as conformações do espaço físico. Os otimistas acreditam que a tecnologia nos trará novas soluções, mas ninguém discorda que também virão novos problemas. A imobilidade das pessoas, os bugs, os spams, os big brothers estão presentes no nosso cotidiano. A solidão massificada, que se apresenta nos consultórios e nas manifestações sociais, e as sobras dos fantasmas totalitários, que emergem do fracasso da significação política, são dois lados de uma mesma moeda que passou a circular na economia da sociedade em rede, como efeito colateral de uma nova e tecnológica epifania. Tudo isso nos desafia a encontrar caminhos menos tortuosos para o entendimento das pessoas, tanto no convívio social quanto no âmago existencial.
Sejamos, pois, otimistas. Pensemos no que representa toda essa produtividade do tempo em termos de geração de conhecimento, novos meios e conteúdos, acervos e repertórios. Estamos vivendo a multiplicação da história, o que significa também a multiplicação de histórias, a criação de novas narrativas e significados, múltiplas possibilidades de escolhas. A arte e a comunicação sobreviverão.
Se é verdade que “o Tempo e o Espaço morreram ontem”, como afirma o Manifesto Futurista, arroubo radical do poeta Filippo Marinetti publicado em 1909, também é verdade que eles renascem a cada dia. Parafraseando o mesmo Manifesto, por que não haveríamos de olhar para a frente, ‘‘se queremos arrombar as misteriosas portas do impossível?”.