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COLUNAS


Guilherme Pena


Gerente de Comunicação Corporativa da Copersucar S/A, maior comercializadora brasileira de açúcar e etanol. Tem mais de 20 anos de experiência em comunicação corporativa em empresas como Fiat Automóveis e Acesita (atual Arcelor Mittal Inox). Trabalhou nas redações da Gazeta Mercantil, Diário da Tarde e Estado de Minas. É graduado em Comunicação Social pela UFMG, com especialização em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral. Participou do 4º Curso Internacional de Comunicação Empresarial realizado pela Syracuse University e Aberje.

Os labirintos da comunicação

              Publicado em 23/04/2015

Comunicação é política, e política, quando não se trata de dissimulação, é tentativa de comunicação: nem sempre funciona como planejado. É o mesmo que dizer que funciona de acordo com o plano original mais as variáveis imprevistas. Ou seja, a vida como ela é.

Guimarães Rosa disse que o que a vida quer da gente é coragem. O enfrentamento resoluto e sem medo. No campo da profissão, filosofia e política incluídas, o que ela quer da gente é clareza. O reconhecimento lúcido do mapa de problemas se apresenta e o enfrentamento diuturno do Minotauro que nos espreita em algum lugar do labirinto em que nos encontramos.

O labirinto é uma referência simbólica ancestral, um mito que revela um dos muitos dramas da humanidade e também a sua solução. Conta a lenda grega que o labirinto de Creta, construído por Dédalo, era habitado por uma criatura metade homem, metade touro – o Minotauro, devorador de jovens. Movido pelo heroísmo que só os mitos encarnam, Teseu resolveu enfrentar a fera, e foi ajudado por uma princesa apaixonada, Ariadne, a quem prometeu casamento. A moça lhe deu uma espada e um novelo de linha, para que ele o desenrolasse à medida que avançasse no labirinto, e pudesse, assim, percorrer o caminho de volta, até encontrar sua bela Ariadne, firme com a ponta da corda. Teseu venceu a batalha, mas não cumpriu a promessa, e cada qual viveu sua própria tragédia, em variadas versões.

O mito do labirinto aplica-se como uma luva em muitos dos embates da política, tanto nos palácios dos poderes públicos quanto nos headquarters do poder econômico.

Ao consultar o Oráculo sobre como vencer a fera, Teseu ouviu que seria salvo pelo amor, mas o que o retirou do labirinto foi a ponta da corda, o “fio de Ariadne”, que não o deixou se perder do mundo real e lhe ensinou a saída da crise, nada menos que o caminho invertido da entrada.

O ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Dilma agiu como Teseu, mas não combinou o desenrolar do novelo com a companheira de Palácio. Ao diagnosticar o “caos político” que já dominava a cena em meados de março, o paper da Secretaria até então comandada pelo jornalista Thomas Traumann esquarteja o Minotauro da crise de governo e da imagem da presidente Dilma, com uma sinceridade e clareza pouco comuns até nos analistas mais críticos do poder. O documento “vazou” pelo Estadão em 17 de março. Traumann tirou uma semana de férias e, no dia 25, pediu demissão do labirinto.

Mesmo para quem acompanhou o episódio e leu o documento, um parágrafo merece ser relido, no nosso contexto:

“A comunicação é o mordomo das crises. Em qualquer caos político, há sempre um que aponte ‘a culpa é da comunicação’. Desta vez, não há dúvidas de que a comunicação foi errada e errática. Mas a crise é maior do que isso”.

Bem maior, como aponta o paper. Segundo o analista palaciano, dilmistas sentem-se abandonados e traídos diante da mudança no seguro-desemprego, no “desastrado” anúncio de corte do Fies, do aumento da gasolina e da energia, do “massacre” nas TVs com as denúncias de corrupção na Petrobrás (como se as TV’s tivessem culpa!)

Como a polêmica e a retórica são exercícios infindáveis, quando perdem o fio da meada, é interessante pontuar a visão do respeitado jornalista Eugênio Bucci, catedrático e exímio profissional da comunicação pública. Para ele, “o pior erro de comunicação do governo federal foi o documento interno do governo federal sobre os erros dele mesmo, o governo federal” (Estadão, 19/03/2015, página A2). Bucci discorda integralmente do autor ou autores do texto de 1.904 palavras, “todas erradas”. “Erraram no diagnóstico, nas proposições e nos fundamentos”.

Com todo o respeito à crítica e à autoridade de Eugênio Bucci, ouso discordar dele, pelo menos em parte, pois o diagnóstico é cristalino, de tão explícito. Não se trata de discutir falhas na condução das técnicas de comunicação, como o uso de robôs nas redes sociais e a distribuição de verbas publicitárias, apenas. Mas, sim, de criticar a própria ação política, que ignora a coerência com o discurso, que não enxerga o próprio erro ou, pior, acredita que o erro sucessivo é um colossal acerto. No jargão dos conselheiros corporativos, a melhor comunicação de um líder é walk the talk, ou seja, servir de exemplo, fazer como se fala. Nesse ponto, Bucci tem razão ao afirmar que o erro não está só na crítica dos comunicadores estatais de plantão, mas em todo lugar. “O erro é de postura”, pois hoje, no Planalto, “nem as paredes têm ouvidos”.

A crise, sabemos, não é uma novidade na nossa história, e não é exclusividade da política. O mundo dos negócios, da competição entre corporações por ganhos financeiros e domínios de mercado, também é repleto de equívocos, descompromisso com o futuro e rupturas com a realidade e o bom-senso, detonadoras de crises econômicas, éticas e de imagem. E sempre haverá alguém para dizer que a culpa é da comunicação.

Um recorte da memória me traz um comentário do jornalista político Carlos Castello Branco, o “Castelinho”, em sua coluna no Jornal do Brasil, lá pelos idos de 1987-88. Era o governo Sarney, e Fernando Henrique Cardoso, então seu líder no Senado, relatou ao repórter algo mais ou menos assim: “A gente chega ao Congresso, abre o jornal e administra a crise do dia”. Não é muito diferente do que muitos de nós, comunicadores corporativos, já exercitamos em algumas experiências profissionais, lições para não serem esquecidas.

O mal-estar com a perversidade do poder também é tão antigo quanto a civilização. Uma passagem da biografia do próprio Castelinho ilustra bem esse transtorno. O livro “Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade” (Ed. Record) é de autoria do também jornalista Carlos Marchi. Na resenha de Gabriel Manzano para o Estadão, conta-se que, em 1961, quando trabalhava na revista O Cruzeiro, Castelinho foi convidado pelo presidente Jânio Quadros para “o outro lado do balcão”, mas não se adaptou. Segundo o biógrafo, “a rotina de intrigas e rasteiras do palácio lhe dava engulhos”.


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