Em 1983, o jornalista Reynaldo Jardim publicou na Folha de São Paulo um artigo com o título “Uma cidade contra sua vocação”. Falava sobre a timidez congênita do curitibano e a sua incapacidade de acompanhar a criatividade urbana que se iniciava na obra de Jaime Lerner. Escrevia ele: “uma cidade composta por seres soturnos, insulados em seus casulos egocêntricos, [...] cercada de montanhas com uma nuvem cinzenta pairando sobre a cabeça de uma burguesia que se acomoda e não se incomoda a não ser com seus próprios umbigos.” Há três anos, pouco antes da sua morte, conversei com ele sobre o que escrevera e ele me disse: “Elói, esqueça, era outro contexto.” Jardim, não dá para esquecer, você acertou na mosca, nossa cidade era assim mesmo e por causa disso perdemos um tempo precioso. A criatividade gerada nas pranchetas dos arquitetos e urbanistas do competente Ippuc da época não foi acompanhada por contrapartidas e esforços da população, artistas e produtores culturais. No livro “A ascensão da classe criativa”, Richard Florida, um estudioso do assunto, fala: “As tendências criativas geográficas não favorecem as comunidades à moda antiga.”
Éramos conservadores, tímidos, desconfiados e profundamente arraigados às nossas origens imigrantes. Nossos antepassados vieram para fazer a América e não para fazer cultura. Somos bons instrumentistas e nada compositores, bons protagonistas no palco, mas não autores. Bons editores gráficos, mas poucos escrevinhadores. Comportamentos que não nos deixaram aproveitar o movimento gerado pelas mudanças estruturais e inovadoras pelas quais a cidade passou – na época, exemplos para o mundo. E, mesmo provocado pela criação de vários estímulos como a construção de teatros, museus, praças e espaços para produção, o curitibano demorou muito para se mexer. Continuamos como sempre fomos: importadores e não produtores de cultura. Grupos de outros estados fizeram a festa em nossos espaços porque a parca criação local foi tímida e sem maiores ousadias. No ranking da economia e da criatividade brasileira, ocupamos o quinto lugar em desenvolvimento econômico e o modesto décimo segundo em criatividade.
Os tempos mudaram e hoje se percebe que há algo de novo no ar, os filhos e netos dos “soturnos e insulados curitibanos”, como o Jardim nos alcunhara, miscigenados com os neo-curitibanos, aparecem como a segunda oportunidade para a nossa cidade. São jovens com espírito e experiência cosmopolita, insatisfeitos e transformadores. Não dão a mínima para suas ascendências e raízes e se esforçam para colocar para fora suas ideias criativas, realizando negócios inovadores em novos formatos cooperativos como os grupos Aldeia Coworking e HUB. Encontram-se em redes sociais e criam movimentos como o Réveillon fora de época na praça da Espanha e o carnaval antecipado dos Garibaldis e Sacis, e reúnem-se em eventos comunitários, só deles, como o Pecha Kucha, uma espécie de contação de experiências e realizações, onde desfilam suas façanhas criativas para centenas de outros igualmente imantados pela avidez da criatividade, da inovação e da ação.
Na área musical, a cidade desponta talentos de todos os gêneros, inclusive com um pessoal pesquisando sério a música de raiz. É notória a competência destes jovens nas expertises da tecnologia, dos games eletrônicos e dos serviços de TI. Vez por outra, ouvimos falar de tribos como os geeks, os novos nerds e outras cujo nome sequer sabemos pronunciar. Movimentos subterrâneos em verdadeira revolução silenciosa começam a sacudir a taciturna Curitiba. Cabe a nós, mais velhos, identificar e apoiar. Se deixarmos escapar esta segunda chance talvez não exista outra tão cedo e enterraremos de vez a promessa daquilo que deveríamos ser e não fomos. E viveremos até o final dos nossos dias em uma nostálgica e melancólica lembrança de “ter vivido uma era perdida.