O autor é guardião da sua própria prisão
Quando alguém encontra a sua maneira de ser, criar e expressar, fazendo algo que o diferencie e destaque dos demais, abre a porta da própria prisão - o autor fica prisioneiro do estilo. A partir desse momento, ele passa, perante si e aos outros, a ser responsável pela sua conquista. Encontrar o estilo pessoal é um achado feliz e, ao mesmo tempo, uma pesada carga para se carregar. O mundo gosta de admirar trabalhos autorais autênticos e a expectativa é de que o criador faça as coisas da mesma maneira sempre. Esta é a porta do calabouço do artista.
Os exemplos mais visíveis estão na escrita, pintura, música, arquitetura e no futebol. Queremos que Chico Buarque cante sempre do mesmo jeito e que o Roberto Carlos seja um eterno romântico. E, nos bons tempos esperávamos pelas famosas paradinhas na hora do penalti do Pelé e delirávamos com os passes de calcanhar do dr. Sócrates. Hoje ansiamos pelas firulas do Neymar e as já não tão frequentes bicicletadas do Robinho.
Quando o estilo de um criador vem suprir a necessidade da sociedade em determinado momento e contexto, ele, aos olhos dos outros, vira gênio e passa a ser reconhecido, aclamado e solicitado à exaustão. Se não souber administrar bem a sua criação poderá esgotar-se e sucumbir perante tantas cobranças e expectativas. Administrar sucesso não é para qualquer um, muitos morrem de overdose.
Ao descobrir o seu estilo cabe ao artista ou profissional, aprimorá-lo ao longo da carreira. Alguns conseguem e refinam a sua arte limpando e aparando arestas até que o conjunto da obra adquira um estado quase fluídico, sinal que chegou a maturidade. Artistas como Iberê Camargo mostram claramente essa trajetória. Outros, mais corajosos, se reinventam e apresentam novas propostas em cima daquilo que já estava bom. Picasso e Bob Dylan fizeram isso várias vezes em suas carreiras. O exemplo dos escritores de textos curtos que querem chegar ao haikai está presente nas obras de Dalton Trevisan e Juan Rulfo.
Por outro lado, há os que são firmes e não transigem com suas obras. Coco Chanel, cuja criatividade inovou o modo como enxergarmos e vivemos a arte do vestir, ficou eternamente presa ao seu belo e inconfundivel estilo. O pretinho básico sobrevive a várias gerações e ainda vai atravesar décadas.
Estilos são construidos ao longo do tempo com muito trabalho e tropeços. Estão ligados à sorte, às circunstâncias e algumas vezes a um “anjo da guarda” que nos estimula a ousar na mudança. Muitas vezes o toque sutil da fala ou conselho de alguém faz com que o autor passe pelo seu ponto de mudança – kairós, para os gregos. É preciso estar atento a este momento, porque é a partir daí que a responsabilidade aumenta. A nova situação produzirá efeitos colaterais e exigirá a contrapartida do autor, e ele terá que reconhecer e trabalhar estes efeitos. A prisão para muitos pode ser perpétua.
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