Memórias perdidas
Em nenhum outro momento da história recente tantas catástrofes climáticas aconteceram em tão curto espaço de tempo. Terremotos, tsunamis, incêndios e enchentes sempre assolaram o planeta Terra mesmo antes de o homem surgir, porém a intensificação desses fenômenos tem sido crescente nas últimas décadas. Não poucos pesquisadores e especialistas atribuem essa recorrência a diversas causas, de aquecimento global a fim dos tempos. 2012 está chegando!
Não vou me ater às causas e sim a um efeito específico: danos aos documentos e patrimônios. Quando os desastres acontecem, o bem mais precioso perdido são as vidas. Aos que ficam restam o trauma e as perdas. Além das vidas, igrejas, casas, escolas, monumentos e patrimônios se vão com o fogo, com a água, com a terra. E nesse cenário os documentos, assim como tudo que estava no caminho do cataclismo, também são destruídos ou gravemente danificados.
Como não se emocionar com o depoimento de uma senhora que a tinha a Igreja Matriz da cidade sempre a vista ao abrir a janela da sala, e hoje o que vê são apenas escombros, barro e madeira? Os lugares são tão importantes para a memória como os documentos, sejam eles patrimônios nacionais ou não. São símbolos dos afetos, dos ritos e rituais que tornam nossa existência algo único e cheio de significados. É pelo lugar que recordamos memórias e vivências. Ele possibilita o registro físico de um ato intangível e teve sua significação brilhantemente sintetizada por Paulo Nassar: “Lugares são as moradas da memória dos empregados, dos consumidores, das comunidades, da sociedade”¹
Cresci no Itaim Bibi, em São Paulo, e me mudei de lá com 20 e poucos anos. Dez anos de urbanização não planejada e especulação imobiliária depois e pouco resta do bairro de minha infância. A padaria de todo dia, a lanchonete preferida, a livraria em que parava sempre ao voltar da escola, não estão mais lá. Pelo menos as escolas e a biblioteca pública encontram-se no mesmo endereço e colorem minha memória a cada retorno às origens.
Os documentos de identificação pessoal, tais como o RG, conferem cidadania a um indivíduo. Ao nascer os pais devem registrar o filho, que recebe o documento primordial, a certidão de nascimento. É a partir dele que um número na maternidade se torna cidadão e é com base nele que todos os outros documentos serão produzidos. Mas e quando tudo que temos é queimado ou levado pela água? Os cartórios e outras instituições fornecem segunda via. E quando os cartórios ficam embaixo d’água como em São Luiz do Paraitinga? Somente um esforço conjunto de profissionais especialistas em conservação e restauração de documentos pode deixá-los acessíveis novamente.
E o que fazer com as cartas, com os álbuns de fotografias, com os livros, com as bonecas, com as entradas de teatro, com os santos, como os HD’s, enfim como proceder quando nossas lembranças são perdidas? Quando nossas memórias portáteis, os vestígios de celebrações, pessoas e lugares se desfazem, a possibilidade de esquecermos o que aquilo representava, aumenta. Claro que não esqueceremos da doçura com que nosso avô nos falava, mas nunca mais ler suas cartas fará com que, com tempo, sua letra desenhada se perca mais rápido em nossa mente.
Algumas medidas emergências podem ser tomadas levando em conta cada tipo de suporte do documento. Papéis, fotografias, quadros e aparatos tecnológicos requerem medidas específicas para sua preservação e conservação, bem como para sua restauração. É sempre indicado procurar um especialista para tratar desses materiais, mas, como nem sempre temos um por perto, procure por fontes seguras de referências em ambientes virtuais e reais.
O projeto CPBA - Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos - possui boas publicações, todas accessíveis pela internet, sobre preservação e conservação de documentos em diversos suportes, inclusive com uma série dedicada a emergências como Secagem de livros e documentos molhados e Salvamento de fotografias em casos de emergência. Esses não eliminam a procura a um especialista, mas auxiliam muito nos primeiros socorros.
As faculdades de arquivologia, biblioteconomia, museologia e outros cursos nas áreas de artes e história, também são fontes preciosas de informação qualificada. Lá encontram-se profissionais com conhecimento que podem auxiliar tanto na recuperação do documento em si, como na indicação de quem pode fazê-lo. Museus, arquivos e bibliotecas são indicados por se tratarem de ambientes onde a temática de preservação, conservação e restauração está presente em seu dia a dia e por possuírem profissionais competentes nesse tema.
Em se tratando de computadores e outros suportes eletrônicos de memórias, procure as assistências técnicas que poderão lhe fornecer um diagnóstico mais preciso da extensão do dano e de sua possível reversibilidade.
O mais importante é não deixar passar muito tempo entre o dano ao documento e o “socorro”. Quanto mais rápido se intervir, mas segura (provável) é sua recuperação.
Quanto aos monumentos e locais físicos, estes nem sempre podem ser reconstruídos fisicamente e requerem mais esforços que manuais técnicos podem fornecer. Quando reconstruídos, mantêm, ao menos esteticamente, as configurações antigas e nos reconforta a lembrança, como o caso do Hotel Pilão, na Praça Tiradentes em Ouro Preto, MG.
Quando deixam de existir, levam embora um pouco das memórias da sociedade e de cada um que recorria àquele lugar para reviver relações afetivas, felizes ou tristes. Lembranças vivas do que não queremos que se perca em nossas mentes e corações.
¹ - NASSAR, Paulo. O lugar da comunicação. Terra Magazine, 18 jul. 2009. Disponível em: < http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3879089-EI6786,00-O+lugar+da+comunicacao.html> Acesso em: 26 mar. 2010.
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