Nos últimos tempos, talvez por causa do ritmo alucinado com que estamos levando a vida, têm surgido movimentos que fazem apologia de se levar uma vida mais devagar. Assim nasceram os slow food, slow arte, slow money e outras dezenas de especificações do gênero. No meio de tudo isso, desponta o “pense devagar” já com alguns livros abordando o assunto e tratado como se isso fosse a maior novidade. O filósofo romano Sêneca há dois mil anos já dizia: “Nada é ordenado quando feito precipitadamente”.
Por força profissional, sou obrigado a pensar rápido e a maior parte das minhas sugestões a clientes nascem de trabalhos a ritmo de “para ontem”. A prática me ensinou a gerar ideias a compasso industrial e, garanto, são sempre boas e ótimas soluções. Porém, nos últimos anos, talvez por causa da idade, tenho preferido me deter mais sobre os trabalhos que executo e, aos poucos, estou aprendendo a pensar de forma mais vagarosa. Isto tem me proporcionado um prazer que eu não sentia antes, o de acompanhar com calma o nascimento e o desenvolvimento das ideias. Voltando aos filósofos romanos, estou em ritmo de festina lente, isto é “apressar-se devagar”. O imperador Augusto, que ficou mais de 50 anos no poder, costumava advertir os seus comandantes mais impetuosos com esta citação, a sua preferida.
Aprendi que o trabalho criativo, quando tocado com mais calma e suavidade, produz um gostoso e sereno fluxo de energia e concentração. Desse modo, quase não sinto o tempo passar e a minha produção torna-se mais rica, eficiente e com menos desgaste. Trabalhar com afobação quase sempre significa deixar a obra inacabada. Uma viagem é melhor e menos cansativa quando estabelecemos um ritmo constante, sem pressa.
Este estado de atenção sem esforço, fruto do pensar devagar, tem merecido atenção de pesquisadores e psicólogos. Eles nos dizem que ao entrar em tal forma de trabalho, em vez de gastarmos parte da nossa energia tentando nos manter concentrados e livres de distrações, canalizamos esses recursos para a tarefa em si.
Os atores do Cirque du Soleil têm como regra primordial considerar o tempo do preparo da maquiagem sagrado. Monta-se a base e as pinturas corporais em ritmo lento, com muita calma, com todo o tempo do mundo à disposição. Fazendo, assim, eles preparam seus espíritos e corpos para o que vem em seguida: um show alucinante capaz de arrebatar entusiasmo das plateias.
Há muito tempo entrevistamos para a revista Bamerindus o músico Dorival Caymmi - ele que tinha fama de ser preguiçoso nos disse: “Eu sou é janeleiro, gosto de ficar na janela observando a vida passar. É deste estado de contemplação e introspecção que nascem as minhas composições, levo tudo com muita calma.” - Ao analisar suas composições constatamos que em 70 anos de vida profissional ele só compôs trabalhos excelentes - clássicos, como: O que é que a baiana tem, João Valentão, É doce morrer no mar, Eu vou prá Maracangalha, O mar, Dora etc. Ele nunca pensou rápido, sempre muito devagar.
Treinados desde cedo na pressa do fast food, na rapidez da banda larga, nas imagens alucinantes do videoclipe, dos jogos eletrônicos e na superficialidade das mensagens da web, estamos nos desacostumando a fazer nossos trabalhos em ritmo mais lento e compassado. Resultado: estresse, doenças, acidentes e trabalhos superficiais.
Longe de querer um mundo dominado pela pasmaceira, pela lassidão e pela preguiça, mas temos que aprender a controlar o nosso ritmo de pensar, quando precisar acelerar, aceleramos, quando precisar puxar o freio de mão, puxamos o freio de mão.