Quem tem mais flexibilidade moral? Um investigado pela operação Lava-jato ou o funcionário sentado ao seu lado no escritório? Ou você?
O país assiste há alguns anos um movimento intensificado de denúncias, investigações e sanções a diversas organizações e agentes públicos. Mensalão, Máfia dos Fiscais, Operação Lava-Jato e Operação Zelotes, entre tantas operações da Polícia Federal e ações da Controladoria Geral da União. “Que bom”, falamos muitos. Outros prefeririam que continuassem alguns esquemas, mas que os escândalos não piorassem a situação econômica do País. São opiniões e percepções.
Fato é que a corrupção, o roubo, a iniquidade, a transgressão, não são uma questão de percepção, ser contra ou não incomodar-se. Afeta a toda a sociedade. Thiry-Cherques pontuou que “Em um mundo interligado, coeso e globalizado, não podemos despejar os problemas no quintal do vizinho. De uma forma ou de outra, ele devolve.” (2008, p. 177)
Segundo estimativas da FIESP, a corrupção retira do país em torno de 85 bilhões anualmente. O que poderia ser feito com 85 bilhões de reais? Áreas sensíveis como saúde, educação, infraestrutura, segurança e moradia solucionariam muitos problemas com esse incremento no orçamento. Ou seja, a corrupção nos afeta.
E quando uma organização faz uso indevido para fins particulares de um bem coletivo? E o que é o bem coletivo de uma organização? Uma organização demanda licença para operar. A entrega de sua missão é viabilizada pelo cumprimento de seu objetivo, trazendo o lucro para seus acionistas e proprietários, com responsabilidade perante todas as suas contrapartes, permitindo a geração de valor e a perenidade do negócio. Quando uma organização faz uso indevido do seu bem coletivo (dos acionistas, do proprietário, da sociedade que a concedeu a licença para operar) para um fim particular, isso é uma transgressão.
Quando um gerente busca aprovar um projeto com alto investimento, mesmo sabendo que poderia ter o mesmo resultado com verba menor, mas esforça-se para fazê-lo porque deseja manter o budget anual ou porque deseja fortalecer seu cargo, poder e status, essa é a chamada “estratégia de trincheira” nos estudos de riscos em Governança Corporativa. O interesse particular desvia o interesse coletivo (será que essa seria a prioridade na organização?) e prejudica o alcance de seus objetivos.
Quando um comprador recebe um “mimo” de um fornecedor, ele pode achar que isso não impactará a empresa. Mas o mimo do fornecedor custou, e o custo está no Balanço Financeiro da empresa fornecedora e diluído no preço do produto que, puxa, ficou mais caro. Ou seja, o mimo “sem nenhuma influência para minha decisão por esse fornecedor” aumentou o custo da minha empresa. Pagar mais caro por um produto impacta em reduzir margem para a empresa e reduzir investimentos ou reduzir contratações. Ou impacta em aumentar o preço de venda para os consumidores, o que pode gerar perda de competitividade. Isso quando o produto comprado é de fato o melhor e com menor preço do quadro de concorrência, pois quando o conflito de interesses entra em cena, o estrago pode ser infinitamente maior.
Até as transgressões pequenas, as famosas impressões particulares, de trabalhos de estudantes nas empresas. Ah, mas impressão é pouca coisa! Quanto custa uma impressão? Uns 0,25 centavos? Pouco, mas quantas impressões de trabalhos, em média, são feitas por mês pelos funcionários que as fazem? Umas 50? Total de 12,50 reais. Em um ano, 150 reais. Se isso for multiplicado por uns 200 funcionários com a mesma prática, 30.000 reais. Algum funcionário não teria sido demitido no mesmo ano por corte de despesas? Ou alguma ação importante para entrega de um resultado não foi realizada porque a empresa disse que “não tinha budget para a ação”? Ou a organização não teria atrasado um pagamento e sobre ele tenha incidido multa? Como ficam os interesses particulares e os interesses coletivos?
Corrupção, segundo a Transparência Internacional, é o “abuso do poder confiado para ganhos privados”. Qual o poder de um político, qual o poder de um CEO de uma organização, qual o poder de um gerente e o de um estagiário? Se um tipo de poder é o valor que cada um gerencia, podemos estimar que o valor de um governador de um estado seja em torno de 200 bilhões (no caso do Estado de SP), o de um CEO de uma empresa de médio porte seja por exemplo 10 bilhões, o de um gerente alguns milhões, e o do estagiário em torno de 6.000 reais (uma impressora, um telefone com ligações liberadas).
Como estamos exercendo o poder de nossos cargos e atividades versus nossa responsabilidade com a organização e a sociedade? Quem tem mais flexibilidade moral? Um político que desvia 0,2% do seu orçamento em propinas ou um “estagiário” que desvia 2,5% do seu poder de gestão para usos particulares? A intenção da pergunta não é obter resposta, mas promover reflexão de como o “filtro moral” começa a ficar sujo nas pequenas coisas. Há uma frase, não conheço o autor, que diz que,para conhecer alguém de verdade, dê a essa pessoa Poder, Stress ou Dinheiro. Como as pessoas agirão quando tiverem mais poder?
As organizações influenciam comportamento e são um “contexto cultural” forte para as pessoas que lá trabalham e, consequentemente, para a sociedade. Como estamos gerindo os valores que desejamos ver na sociedade?
São muitos os riscos morais em uma organização: distribuição de bônus desproporcional, o aceite de “mimos” de fornecedores que provocam a perda da imparcialidade em concorrências, a não transparência de riscos e impactos de produtos e serviços a clientes e à sociedade, o uso pessoal de ativos, os investimentos extravagantes desnecessários, entre tantos outros.
Entrega da missão empresarial e busca de poder político. Eles estão cada um com o peso certo nas organizações?
REFERÊNCIAS
THIRY-CHERQUES, Hermano R. Ética para Executivos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1820
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