O que se sustenta tem valor
Posicionamento. Diferenciação. Narrativa. Materialidade. Partes interessadas. Engajamento. Licença social. Relatório integrado. Estratégia sustentável.
Embora esse glossário esteja em alta nas salas de reuniões de crescente número de empresas, ainda não parece bem clara, entre os titulares das áreas de comunicação e de sustentabilidade, a forma como os conceitos e disciplinas interagem para favorecer ou comprometer o esforço de tornar a organização mais visível e admirada e aumentar seu valor de mercado.
Diante, por exemplo, da responsabilidade pelo conteúdo de uma mensagem institucional ou de um relatório de prestação de contas, o executivo fica sem saber por onde puxar o fio da meada, tantas as questões aparentemente desconexas e pendentes de solução que tem de administrar, em face de uma opinião pública cada vez mais severa e vigilante. Na dúvida, e para não correr riscos, acaba fazendo mais do mesmo.
Como resultado, em materiais os mais diversos – vídeos e anúncios institucionais, notas à imprensa e matérias legais, entre outros –, continuam a prevalecer narrativas inócuas, quase sempre fundadas em atributos genéricos, que, embora possam agradar aos círculos internos do universo da empresa, a pouca gente mais sensibilizam e convencem. Isso quando não tratam superficialmente ou omitem por completo questões que, embora de pleno conhecimento público, desfavorecem a imagem, configurando o que os britânicos, com seu humor cáustico, qualificam de “conspicuous by absence” – algo que chama a atenção pela ausência – uma armadilha letal para a credibilidade da mensagem e do emissor.
Até um passado recente, a maioria das empresas concentrava o esforço de comunicação em duas frentes, com equipes e direcionamentos que pouco ou nada conversavam entre si: a área de marketing, voltada à publicidade dos produtos e serviços, e a institucional, dedicada a promover os valores da marca. A primeira, por influenciar diretamente o desempenho das vendas, sempre foi aquinhoada com o grosso das verbas e atenções. A segunda, relegada a um papel secundário pela contribuição menos tangível ao faturamento, aos poucos ganhou importância, sobretudo na gestão de crises, tendo em vista o impacto financeiro de eventos que afetam a imagem e a reputação. E tudo parecia correr bem.
De tempos para cá, mudanças importantes alteraram o quadro. A democratização da informação, descobertas científicas e uma escalada de desastres ambientais e escândalos financeiros abalaram a credibilidade da indústria e puseram em cheque, nos meios formadores de opinião, a capacidade de sustentação do modelo de produção e de consumo. Cresceram as demandas sobre a responsabilidade socioambiental do sistema, desde a origem e a renovabilidade das matérias-primas até os impactos de longo prazo nos indivíduos, nas comunidades locais e na sociedade.
Na percepção do senso comum, diversos setores de atividade passaram de mocinhos a vilões, de principais promotores do progresso e bem estar a agentes potenciais de risco para a vida. Para restabelecer sua legitimidade, as organizações trataram de melhorar suas práticas, estabelecer um diálogo com os diversos interessados (stakeholders) e dar visibilidade adequada a todo o processo. Foi nesse contexto que entrou em pauta, na agenda empresarial, o difuso conceito da “comunicação da sustentabilidade”.
À tradicional proposição de valor diferenciada, até aqui focada em aspectos funcionais de qualidade do serviço ou do produto, tornou-se necessário incorporar novos atributos, menos tangíveis e mais difíceis de transmitir: a solidez da governança e dos processos decisórios internos, a responsabilidade socioambiental da cadeia produtiva e a contribuição do negócio para o futuro e o presente das pessoas, para citar os principais.
A indústria está assim desafiada a rever radicalmente sua forma de se comunicar e a privilegiar, além da qualidade do que vende ao mercado, a transparência, a prestação de contas e o engajamento genuíno das partes envolvidas nas transações. Esta saudável tendência vem-se materializando principalmente nos chamados relatórios integrados, documentos impressos ou digitais em que, periodicamente, dá-se conta de resultados financeiros e não financeiros, boas e más notícias e avanços ou retrocessos no cumprimento de metas, proporcionando ao investidor, cliente, fornecedor, colaborador, governo, terceiro setor e demais interessados subsídios mais concretos para basear suas escolhas.
A nova abordagem busca suas raízes na identidade da organização: quem é ela, qual o seu propósito (ou missão), como projeta o futuro (sua visão) e quais os valores que defende e pratica para atingir seus objetivos. Segue com um criterioso mapeamento dos stakeholders e com a definição dos temas que realmente importam para o futuro do negócio, tanto no juízo dos donos e dos administradores como no das demais partes envolvidas. É a partir da definição desses temas mais relevantes, ou materiais, por um processo democrático de consulta, que a empresa poderá estabelecer as prioridades na sua gestão. E definir, em metas claras e mensuráveis, uma “promessa sustentável” para a cadeia produtiva e para a coletividade.
Identidade claramente estabelecida; stakeholders mapeados e engajados no diálogo; temas relevantes definidos; compromissos publicamente assumidos e divulgados. Temos enfim, integrados sistemicamente, os elementos-chave para estruturar e desenvolver uma estratégia sustentável de comunicação, que reflita a realidade do negócio independente de seu porte, setor de atividade ou nível de maturidade. Estratégia que se mantém de pé sob quaisquer circunstâncias, pois fundada em uma narrativa consequente e dinâmica.
Só assim, nestes nossos tempos de certezas frágeis, se constrói uma história que, ao longo do tempo, diferencia e valoriza a marca, tornando-a mais conhecida, mais compreendida, mais aceita – quem sabe mesmo, admirada.
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