A coisa certa
Há pouco tempo, li e compartilhei entre os amigos uma tirada do Ariano Suassuna com que muito me identifiquei: “O otimista é um tolo e o pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um esperançoso realista.”
O fato é que, mortas e enterradas as utopias, nesses tempos ditos pós-modernos, permanece para nós, os vivos, o desafio de seguir em frente, mapeando novas rotas e portos de destino em mares cada vez mais encrespados. Apesar disso, olhares menos alinhados com a maioria, que insistam em apontar a necessidade de urgentes correções de rumo, costumam ser rotulados de pessimistas e, como tal, desprezados a priori.
Pessoalmente, acredito no futuro. Não como Kafka, que um dia afirmou haver esperança, mas não para nós... E muito menos como Leibniz, inspirador do célebre personagem de Voltaire, o tutor Pangloss, para quem “vivemos no melhor dos mundos e tudo dará certo no final”. Mas apenas como alguém que aprecia viver e deseja deixar na estrada alguma marca que possa ser útil aos próximos viajantes. Algo mais que um filho, uma árvore e um livro.
Não por outro motivo, e abusando da paciência do leitor, retorno ao tema que, entre alguns outros, bastante me aflige ultimamente: as razões pelas quais empresas que poderiam fazer muito mais pelo próprio futuro e pelo de todos nós, caso adotassem estratégias mais sustentáveis, continuam a ignorar o maremoto que se forma a sua volta e insistem em práticas que destroem valor, semeando prejuízos que mais dia menos dia serão pagos por toda a sociedade.
A adoção de princípios amplamente reconhecidos da boa governança corporativa, como a transparência na comunicação, o compromisso com a prestação de contas, a gestão de riscos e o engajamento dos públicos estratégicos nos processos decisórios — hoje obrigatória para as empresas que têm ações negociadas em bolsas de valores e adotada também, em caráter voluntário, pelas mais esclarecidas — ainda permanece, na mentalidade de considerável número de administradores, um custo mais que um investimento.
Tais medidas, para quem leva a sério a piada de que no longo prazo estaremos todos mortos (e, infelizmente, esses “pragmáticos” não são raros no mundo dos negócios), pouco valor acrescentariam para o acionista – aquele a cujos interesses, na lógica do chamado mainstream, todas as escolhas devem se subordinar. E qual seria essa lógica?
Para definir a viabilidade de um investimento e qual o retorno requerido, analisa-se o chamado custo de oportunidade do capital empregado. O custo de oportunidade deve refletir a média das alternativas disponíveis para empregar o capital, considerando-se riscos e prazos similares. Por exemplo, se você tem a chance de aplicar seu capital no mercado financeiro e ganhar 10% ao ano, com determinado risco e prazo, por que investiria seu dinheiro em algo que renda menos que isso? Ou em uma alternativa que garanta esse mesmo nível de retorno, mas com risco ou prazo maior? Se existe maior risco, você deve buscar maior retorno.
Esse é o raciocínio do capital financeiro. O problema é que, para assegurar ao acionista esse retorno mínimo e evitar que ele desista do empreendimento, sobretudo em condições adversas de mercado (que têm sido frequentes, sobretudo desde a crise de 2008), nem todas as administrações fazem escolhas sensatas e muitas preferem deixar para depois investimentos essenciais. No caso das indústrias, um exemplo frequente é o dilema criado pela necessidade de contínua atualização tecnológica dos sistemas de proteção ambiental, que se for negligenciada pode implicar altos custos para toda a comunidade. Mesmo assim, não são raros os executivos que privilegiam os números em decisões dessa natureza.
Mas garantir retorno aos acionistas e dividendos aos investidores, bem como manter e ampliar a carteira de clientes, não é tudo. Há outros complicadores que devem ser considerados, como as pressões a que os executivos – seres de carne e osso igualmente sujeitos às angústias contemporâneas – são submetidos, seja para reduzir custos, atingir e superar metas cada vez mais desafiadoras com orçamentos sempre menores, e, last but not least, assegurar suas tão cobiçadas bonificações.
Sobre estas últimas, uma prática salutar já adotada por bom número de empresas é a discriminação entre bônus anuais, vinculados ao desempenho global no exercício fiscal, e de longo prazo, atrelados a metas de sustentabilidade que podem cobrir períodos de até dez ou mais anos. Os administradores, no caso, somente receberão o seu quinhão desse desempenho de longo prazo à medida que entreguem efetivamente o prometido às partes interessadas, o que concorre para processos decisórios mais maduros e responsáveis.
De volta a minha indagação inicial, atrevi-me a levantar algumas hipóteses que, imagino, poderiam justificar a resistência de lideranças empresariais a fugir de compromissos de mais longo prazo com a coletividade, a reconhecer publicamente pontos para melhoria em suas organizações e a adotar, entre outras políticas, uma comunicação mais equilibrada e transparente, inclusive na prestação de contas às partes interessadas.
Seria o temor de favorecer a concorrência, ao revelar seus pontos fracos?
A possibilidade de dar munição adicional aos grupos de pressão, sobretudo os movidos por interesses ilegítimos, ou de estimular ainda maiores restrições dos órgãos regulatórios? O medo de assanhar ainda mais o olho grande de políticos e autoridades inescrupulosos, em regiões onde é fraca a governança pública? O risco de comprometer a confiança dos clientes e perder participação no mercado? Ou pior, no caso das empresas de capital aberto negociadas em bolsas, assustar o investidor e ver despencar o valor das ações?
Cada um desses temores, a depender das circunstâncias em que opera o empreendimento, pode até ser em alguma medida justificado. Mas todos eles têm seu contraponto, sustentado pela teoria e comprovado na prática, no sentido de que fazer a coisa certa vale a pena e é o que tem futuro.
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