Gente, eu sou vendedor por ofício. Quer dizer, não fiquem os vendedores achando que o texto abaixo é uma crítica à categoria, quando muito me acusem de autocrítica. É bem sabido que vendedor é uma raça à parte: raramente cabem na caixinha que as empresas teimosamente tentam colocá-los. E, paradoxalmente, é essa rebeldia e independência (até certo grau) que faz o caldo dos grandes vendedores. Alguém aí conhece um grande vendedor que seja “vaquinha de presépio”???
Com isso, a maioria das empresas aceita que seus vendedores sejam “enfants terribles”, desde que produzam os resultados que se espera deles. Até aí tudo bem e eu mesmo sempre prezei muito a liberdade para achar o melhor caminho para vender meu peixe aos clientes. Porém, isso não quer dizer que pessoas que representam a empresa, utilizando seu logo no cartão de visitas, possam dizer o que lhes venha à cabeça.
O setor de comunicação corporativa das empresas planeja cuidadosamente o conteúdo de todos os canais de contato com o mercado, visando a harmonia e a homogeneidade das mensagens enviadas, exceto de um deles (e talvez o mais impactante): o vendedor.
Vendedores se julgam acima do bem e do mal e acham que podem simplificar a seu gosto todas as mensagens que a empresa laboriosamente padroniza antes de enviar para o mercado. Eu trabalhei como executivo em uma empresa global mega-autocrática que impunha um discurso padrão para todos os seus colaboradores. Cada novo funcionário, da secretária ao CEO, era convidado logo que entrava na empresa a participar de uma semana de new hirings training, na matriz nos USA, durante a qual era feita uma literal lavagem cerebral.
Os PPT’s da apresentação executiva padrão tinham que ter o texto de cada slide decorado e o novo contratado deveria se apresentar para um “veterano”, que o certificava para explicar a empresa externamente. Se o cara não conseguisse se certificar, em três tentativas, seria automaticamente demitido (nos anos em que lá trabalhei eu nunca soube de uma situação como essa). Quando eu fiz esse treinamento, junto comigo estavam diversos vendedores da filial brasileira (dos quais eu seria chefe-do-chefe-do-chefe).
Quando voltei do treinamento eu tive oportunidade de acompanhar esses vendedores em várias reuniões com prospects. Em nenhuma dessas reuniões eu jamais vi:
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A mesma sequência de slides proposta pela matriz.
O discurso padronizado que era sugerido para explicar cada ângulo da empresa.
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Pior que isso: cada vendedor adaptava o conteúdo dos slides padrão a seu gosto, como também acrescentava novos slides, que em sua opinião tornariam sua atividade de vendas mais fácil. O que fazer? Enquadrar os vendedores? Puni-los? Obriga-los a falar exatamente aquilo que a empresa quer e nos termos originais? Claro que não! Isso mataria a iniciativa e a criatividade dos vendedores.
O melhor caminho para alinhar os vendedores, sejam canais diretos ou indiretos (os distribuidores, resellers e VAR’s – Value Added Representatives – que são os mais difíceis), é pela conscientização e educação contínua. Na indústria de Tecnologia da Informação, onde trabalho desde que me formei, existe uma preocupação enorme com a educação do time de executivos e consultores de negócios, deixando por último a galera de vendas que, via de regra, recebe uma carga mais leve e mais concisa. Em outras palavras, na maioria das empresas o vendedor é julgado preconceituosamente com relação ao seu interesse e sua capacidade de entender detalhadamente as informações críticas de negócio.
É bem verdade que tentar fazer do vendedor um consultor é tão sem sentido quanto o inverso, mas geralmente os bons vendedores são interessados e sempre prontos a entender o porquê das mudanças nas estratégias de negócios e suas consequências na oferta. Isso posto, para quais informações mínimas o setor de comunicação corporativa deveria exigir alinhamento dos times de vendas?
Como já mencionamos em artigos anteriores, um bom planejamento da comunicação deve anualmente rever e reciclar uma série de importantes informações de negócios:
1. A proposta de valor, que traduz o posicionamento escolhido;
2. Os temas mais relevantes para melhorar a percepção do valor da marca;
3. As mensagens-chave que separam a empresa de seus concorrentes;
4. Os valores diferenciais de cada oferta, que nem sempre são óbvios;
5. As informações institucionais da marca que devem ser sempre comunicadas à risca.
A maioria das empresas faz suas reuniões de kick off de início de ano. Muitas fazem kick offs anuais de vendas. Essas são excelentes oportunidades para enfatizar a todos, não apenas aos vendedores, quais são as informações mínimas onde deve haver alinhamento. E, vice-versa. É bom, que de forma coerente, essas mesmas informações sejam atualizadas no website, em blogs, redes sociais, newsletters corporativas, ações de imprensa, canais de comunicação interna, etc.
Em outras palavras, antes de puxar as orelhas dos vendedores, certifique-se de que a empresa foi clara e direta sobre o conteúdo core, “imexível”, das mensagens corporativas. Será que estou defendendo minha categoria? Acho que não. Chamo a isso de coerência.