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COLUNAS


Jean-François Hue


Com sólida trajetória nas áreas de marketing e de comunicação empresarial, já atuou em organizações renomadas como Air France, Copersucar, Saint-Gobain, Abril e Accor. Em 2009 criou a sua própria empresa, a Spyrals, para dedicar-se principalmente à Comunicação Organizacional orientada para o desenvolvimento dos negócios.

Formado em Administração Pública e pós-graduado em Administração Mercadológica (CEAG) pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, participou do 4º Curso Internacional de Comunicação Empresarial da Aberje e Syracuse University, frequentou cursos de especialização no exterior, ministrou palestras e é autor de artigos sobre marketing e comunicação publicados em mídias de grande circulação.

Atualmente é membro do Conselho Fiscal da Aberje, tendo atuado junto ao Conselho Deliberativo da associação de 2002 à 2014. Também integrou o Colégio Eleitoral da ECA-USP entre 2006 e 2008, para a escolha dos finalistas do Prêmio USP de Comunicação Corporativa. Participou de várias edições do Prêmio Aberje como jurado na categoria Relações com o Público Interno e foi indicado como um dos dez profissionais de Comunicação Institucional no Prêmio Comunique-se em 2007 e 2008. Eleito conselheiro da Câmara do Comércio França-Brasil desde 2010, integrou o Conselho Editorial da revista França Brasil até dezembro de 2013 e participa da Comissão de Comunicação.

Comunicação: a vez da Bola

              Publicado em 12/08/2014

 

Neste ano de Copa do Mundo, a redonda, presente em 64 jogos e disputada por 129 jogadores de 32 seleções, foi acompanhada por bilhões de seres humanos do mundo inteiro, além de inúmeros ETs que, com as suas naves estacionadas em cima dos estádios durante as partidas, julgaram ser uma oportunidade única para participar desse movimento universal de união planetária. A atração exercida por esse gigantesco show é tanta que, para não comer bola, grandes produtoras, como Paramount, Disney e Warner Bros esquivaram-se de um confronto com a Copa do Mundo e preferiram adiar lançamentos, que ocorrem tradicionalmente no final da primavera no hemisfério norte.

Este conto, redigido em sua homenagem, revela o quanto esse círculo, ou globo para os apreciadores do 3D, monopolizou as atenções no universo brasileiro da comunicação, alterando os relacionamentos individuais e coletivos e tomando posse do nosso cotidiano.

Residente no exterior, Bolão, nosso herói com um perfil um tanto rechonchudo, era um apaixonado pela mitologia e, aproveitando a realização do maior espetáculo do mundo, decidiu assumir um desafio titânico, embora não tivesse nenhum crime para expiar: cumprir os 12 trabalhos de Hercules percorrendo as 12 cidades sede. Quando nos preparativos, ele teve o maior cuidado na comunicação com o seu agente de viagens, a fim de não levar bola, evitando um desvio de rota para a República de El Salvador, como soube que acontecera com um casal de australianos. No final, o circuito desenhado fugia de qualquer lógica, pois, por mistérios insondáveis da gestão comercial na aeronáutica, a linha reta unindo dois pontos não costuma ser a mais econômica e rápida.

Ainda nessa fase de preparação, ele procurou coletar o máximo de informações, impressas e digitais, acerca dos locais que iria visitar, de forma a aproveitar ao máximo os atrativos turísticos e não pisar na bola. Após ler um guia para estrangeiros, produzido na Europa - e que deixava bem claro que o uso diuturno de repelente era imprescindível, pois, durante o dia, os mosquitos transmitem dengue e, à noite, malária -, ele descobriu que entre os atrativos mencionados no site oficial desenvolvido pelo governo federal constava um convite para mergulhar nas águas claras da popular praia de Boa Viagem que, além de sua beleza natural, possui uma orla totalmente estruturada para atender os visitantes. Ele ficou meio desconfiado, pois já tinha ouvido comentar que esse pedaço do litoral era considerado impróprio para banho por conta e risco de ataques de tubarão. Mas acabou não dando muita bola, associando esse predador ao Javali de Erimanto, dominado por Hércules.

Um amigo que tinha regressado há pouco de São Paulo, lhe confidenciou que não devia se assustar na chegada, achando que, por conta de denominações divergentes, o avião tinha pousado num aeroporto errado. De fato, esse aeródromo ganhou diversas designações: “Aeroporto Internacional de Guarulhos”, “Aeroporto Internacional Gov. Franco Montoro”, “Aeroporto Guarulhos”, “Aeroporto de Guarulhos (Cumbica)” e “Aeroporto Internacional de São Paulo”. Para encerrar o assunto, esse bem humorado amigo plagiou Abelardo Barbosa, declarando “quem não se cumbica se strumbica!”. Sem dar muitos tratos à bola, pois entendia que o assunto não era de interesse de turistas, leu rapidamente um panfleto editado pela CNBB em três línguas e contendo severas críticas em torno da inversão de prioridades para com o dinheiro público, que deveria servir para a saúde, a educação, o saneamento básico, o transporte e a segurança. Chegou também em suas mãos um abaixo assinado, lançado pela Anistia Internacional, com cerca de 90 mil assinaturas recolhidas em 30 países, em defesa do direito de manifestação pacífica durante a Copa do Mundo. Não entendeu bem o propósito desses documentos, provavelmente por não residir no Brasil.

E chegou o dia da viagem. Por acaso, Bolão viajou no mesmo avião que trazia a seleção Croata e que fez escala em Lisboa. Logo na chegada em São Paulo, por sorte no terminal 3, que atende somente 25% dos voos internacionais, descobriu um outro esporte nacional amplamente difundido: a fila. Para início de conversa, uma na imigração, outra na retirada das bagagens e, para os passageiros que queriam retirar os ingressos da Copa, uma espera adicional de cerca de duas horas, pois nem todas as máquinas de autoatendimento que imprimiam as entradas operavam. Por sua vez, a esteira testou a paciência de centenas de passageiros, ficando parada um tempão, em razão de um “problema técnico”, conforme anúncio repetido por uma voz de taquara rachada nos alto-falantes.

Na saída da alfândega foi recepcionado pela sua prima Brazuca, um show de bola com seus 69 cm de cintura, 437 gr. de peso e que iria ser disputadíssima por 129 atletas durante 30 dias. Quem sabe, poderá surgir um rolezinho durante esse périplo, pensou um inflado Bola. Brazuca aproveitou a longa e caótica espera na fila para conseguir um taxi e começou a expor ao primo recém-chegado algumas peculiaridades inerentes a esse momento tão fora do comum, localmente batizado Copa das Copas.

“Você sabe o que é a FIFA da qual se fala tanto?” perguntou ela. Pego de surpresa, Bola respondeu de bate-pronto “Não seria uma grife mundial de artigos esportivos, como camisas e agasalhos, de produtos alimentícios, de bebidas, de combustível e de músicas?” Contente por poder compartilhar seu abissal conhecimento com seu companheiro um tanto desinformado, lançou-se numa longa explanação.

“A FIFA, sigla de Fédération Internationale de Football Association, é uma organização sediada na Suíça e que tem o monopólio da Copa Mundial e de todos os negócios afins. É interessante observar que, além de dois termos, “Fédération” e “Association”, serem redundantes, a sintaxe do nome legal é incorreta, pois mistura construção latina e britânica. Quem sabe foi uma escolha estratégica para confundir as mentes e reforçar a ideia de uma vocação de dominação sem limites. É bem verdade que FIF seria uma sigla mais transparente, acompanhando a fórmula adotada pela maioria das modalidades esportivas, FIA, FIB, FIVB e outras mais. Mas, tudo isso é mero detalhe. Por ser uma entidade que adapta o país ao evento sob o seu comando, a FIFA coloca-se acima de tudo e de todos, atropelando a soberania nacional e alterando a ordem jurídica por um bom período. Para que possa melhor apreciar a dimensão dessa interferência no cotidiano da nação, vou citar alguns fatos reportados ultimamente pela imprensa. Na esfera econômica, em 2012, o governo aprovou e sancionou a Lei geral da Copa que, entre outras benesses, concede à FIFA, e por extensão a todas as empresas parceiras e patrocinadoras, nacionais e estrangeiras, a isenção fiscal em todas as atividades relacionadas ao Mundial. O montante dessa renúncia fiscal, liberalidade do governo brasileiro, é um mistério, mas deve ostentar provavelmente dez algarismos. Com o propósito de evitar manifestações e cumprir com as cláusulas contratuais assinadas com a FIFA, o governo teve que negociar uma trégua, não se sabe bem a que custo, com representantes dos mais diversos movimentos sociais. O horário de retransmissão obrigatória do programa A Voz do Brasil, imperativamente reproduzido pelas rádios as 19h00 precisas desde 1935, foi flexibilizado através de uma MP – Medida Provisória - para o período da Copa do Mundo, a fim de não prejudicar uma ampla difusão dos jogos. Pegando de surpresa o próprio governo, a FIFA anunciou antecipadamente que a Presidente da nação entregaria a taça aos campões da Copa. Sem maior constrangimento por esse abrupto aviso unilateral, uma alta autoridade improvisou a confirmação do anúncio. Imagina, meu caro Bola, que nem a sunga inadvertidamente exposta por um jogador no decorrer de uma partida escapa do olho vigilante e de uma eventual bola preta da FIFA, que não tolera o uso de marca diferente do uniforme previamente estipulado pelas partes. E mais ainda: nem a cultura local escapa, pois, acredite se quiser, essa federação estava determinada a expulsar as baianas e seus tabuleiros do Farol da Barra em Salvador, tradicional ponto turístico, durante a Copa e, somente depois de uma queda de braço com representantes da prefeitura, as posições foram revistas, garantindo a presença das Baianas de Acarajé, por sinal declaradas patrimônio cultural em 2005 pelo Ministério da Cultura”.

“Pela sua narrativa, parece que os brasileiros se tornaram momentaneamente súditos da FIFA!” interrompeu Bola. “Acho que captou tudinho!” replicou Brazuca, que prosseguiu com sua explanação “Tudo deixa antever que, contrariando os adeptos de Cassandra, o evento deixará marcas profundas para as futuras gerações. De fato, o vasto legado da Copa é bastante diversificado: ele abrange desde vultosas, mas nem sempre concluídas, obras de infraestrutura e estádios nababescos em doze cidades-sede, até heranças de percepção mais sutil como um misterioso montante de dívidas assumidas para realizar o evento. Entretanto, o maior aporte, tão impactante e duradouro como a fórmula “levar vantagem”, incorporada nacionalmente como “lei do Gerson”, por acaso um ídolo de futebol e craque da seleção canarinho de 1970, é, sem sombra de dúvida, a locução “padrão FIFA”. Trata-se de uma nova unidade de excelência surgida durante a preparação da Copa para mensurar o elevado nível de qualidade almejado pela população em relação a todos os tipos de serviços públicos e privados como hospitais, escolas, restaurantes, banheiros, transporte e segurança. Em resumo, essa bandeira, eventualmente convertida num grito de guerra, passou a nortear as nossas expectativas cotidianas e, por contribuir para o enriquecimento da língua portuguesa, merecerá também um registro nos dicionários.”

Brazuca interrompeu sua longa explanação, pois estávamos, afinal, chegando ao Itaquerão, também divulgado como “Arena São Paulo” ou “Estádio do Corinthians”, e ela tinha que se juntar às demais estrelas do espetáculo no gramado, enquanto eu subiria para as arquibancadas provisórias, engrossando o coro de 60 mil torcedores.

Com todo o cuidado para evitar maior aproximação com a inédita seleção de mosquitos, portadores de quatro sorotipos do vírus da dengue e que tinham escolhido a região metropolitana de São Paulo para se concentrar, chegou na entrada. Após passar pela catraca e torcendo para não ter a desagradável surpresa de descobrir a inexistência da cadeira correspondente ao seu ingresso, Bola encontrou seu lugar na arquibancada provisória que tremia mais do que gelatina. Ele constatou que, com sua cobertura inacabada e cimento exposto, o estádio não estava ainda terminado.

Após calorosa recepção às altas autoridades, no final da cerimônia de abertura da Copa do Mundo, uma das crianças que soltou pombas brancas do gramado para simbolizar a paz e a união de povos e culturas que reinam no Brasil, estendeu, logo após, o ato simbólico, uma faixa vermelha com os dizeres "Demarcação Já!". Bola entendeu tratar-se de uma iniciativa comercial com preços vantajosos dos organizadores. Com a garganta seca de tanto incentivar a seleção, Bola aproveitou o intervalo do jogo para esticar as pernas indo até uma das lanchonetes. Evitando furar fila, não tendo ninguém para orientar os torcedores furiosos, ele se contentou de adquirir um copo de bebida sem gelo, única opção por forca de escassez de alimentos e bebidas provocada por quedas de energia.

Encerrado o jogo, foi conhecer o novo point, a Vila Madalena, um bairro boêmio onde estava sendo realizado o "festival do xixi", um Carnaval tipo Woodstock pós-jogo, com milhares de foliões que se divertiam, transformando as ruas em sanitários. Bola inferiu que os fabricantes de banheiros químicos foram grandemente beneficiados pela Copa do Mundo, pois tiveram que aumentar, sobremaneira, a produção para fazer face a escassez desse tipo de equipamento.

Antes de retornar para o aeroporto, afim de prosseguir viagem e contornando ruas interditadas, em nome da segurança, por um intimidador aparato militar, ele fez um rápido passeio pela Avenida Paulista, um dos cartões de visita da capital do Estado e que foi transformada numa passarela internacional de exposição dos dotes artísticos de artistas latinos, que disputam o espaço com alguns hippies nativos.

Pegou um taxi em direção ao aeroporto e, para a sua maior surpresa, o motorista o acolheu com alguns módulos de diálogo pré-fabricados em inglês: “Welcome to my car, my name is João. Where do you wanna go?”. Chegando no aeroporto desejado e após um “Have a nice day! Brazil champion!” de despedida, ele se deparou com um novo gênero de passageiro: os estrangeiros desorientados, cujas perguntas eram respondidas por mímicas pelos vendedores e diversos prestadores de serviços. Ficou fascinado com esse moderno esperanto de reduzida eficácia.

Ao chegar no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, Bola espantou-se com uma cachoeira na sala de desembarque, provocada por um inexplicável acúmulo de água no teto do terminal recém inaugurado e cuja uma das alas espera ainda a homologação da ANAC. Essa ocorrência lhe trouxe à mente a lembrança da limpeza dos estábulos de Augias, uma das tarefas do seu ídolo Hercules.

Talvez pela proximidade com os Três Poderes e, apesar de grandes filas na entrada causadas pela lentidão dos detectores de metais, nenhum contratempo atrapalhou a chegada na arquibancada do Estádio Nacional, vulgo Mané Garrincha. Num acesso de utopia e durante o intervalo do jogo, a grandiosidade do local o levou a refletir sobre as possibilidades que gerariam uma ocupação proveitosa desse espaço dimensionado para 70 mil espectadores. Excluindo eventuais movimentos reivindicativos, tais como Sem Terra, Sem Casa, Sem Copa e Sem Vergonha, uma das raras oportunidades que ele conseguiu vislumbrar foi a realização de grandes espetáculos pagos assim como reuniões religiosas ou ainda casamentos comunitários. Uma opção mais drástica consistiria na demolição de parte das arquibancadas para adequar a capacidade tamanho do público que costuma assistir aos jogos de futebol. Após o término da partida e com o objetivo de achar a saída que facilitasse a ida para o aeroporto, procurou orientações com um integrante do programa Brasil Voluntário, o qual limitou-se a confessar uma total impotência: “Os organizadores colocam a gente para orientar as pessoas, mas não explicam nada”.  

O avião pousou em Curitiba, cujas obras de ampliação e de reforma do terminal só ficarão prontas após a Copa. Dispondo de tempo antes do jogo, Bola decidiu abrir a bolsa e apelar para um “amigo de aluguel”, Johan Fritz, encarregado de lhe mostrar os atrativos da cidade com um olhar nativo, diferente daquele do guia turístico. Após descobrir as estações-tubos e visitar o Jardim Botânico, a Ópera de Arame e o Bosque Alemão, os dois foram experimentar a carne de onça da premiada Mercearia Fantinato, uma opção gastronômica seguramente melhor do que os econômicos espetinhos de linguiça preparados numa churrasqueira improvisada para a ocasião, ao lado do Centro de Treinamento.

Driblando a sujeira de obras, indício de uma construção entregue às pressas, e escutando queixas de estrangeiros que não conseguiam se comunicar em inglês com os voluntários, ocupamos nossos lugares na Arena da Baixada entre 42 mil torcedores. Aproveitando o tempo antes do início da partida, Fritz perguntou ao seu companheiro locatário se sabia qual a pior das profissões do Mundial. Embaraçado pelo elevado número de possibilidades, respondi pela negativa, deixando claro que ele estava com a bola toda e dando-lhe a oportunidade de compartilhar a sua descoberta: “É a de assistente de torcida. Usando um colete laranja fluorescente, eles são pagos para ficar de pé ao longo do gramado e de costas para o jogo, de forma a monitorar confusões nas arquibancadas e evitar invasões do campo. Pode imaginar maior frustração?”. “Não” respondeu Bola, que prosseguiu “Principalmente se considerar os inúmeros desconhecidos e anônimos que vêm aos estádios exclusivamente para ter 15 minutos de fama ao aparecer de relance, porém em escala planetária, nos telões e nas mídias sociais. Essa chance de brilhar na Copa, de forma a lustrar a endo-imagem, é uma preocupação de comunicação visual ferozmente disputada num estiloso vale-tudo pela plateia, independentemente de sexo, idade, origem e credo”. Ao apreciar as fantasias de algumas torcedoras, ele lembrou de Hipólita, rainha das amazonas de quem Hercules teve que tomar o cinturão. Assim que acabou o jogo e após se despedir do Fritz, ele subiu num ônibus da linha especial que o deixou no aeroporto.

Do terminal aéreo até o centro de Cuiabá, percebeu os esforços das autoridades locais para tentar iludir os turistas mediante o uso de grama a fim de cobrir canteiros de obras do VLT -Veículo Leve sobre Trilhos – inacabado. No momento em que convertia seu aparelho multimídia em máquina fotográfica, ele recebeu um alegre “selfie” da Brazuca compartilhando uma foto tirada no instante de sua entrada no gol mais comentada na mídia e informando que sua prima, Jabulani, o aguardaria em Salvador.  

Após um rápido passeio para conhecer a Casa do Artesão, o Museu do Rio e o Aquário Municipal e degustar uma mojica de pintado no restaurante O Regionalíssimo, Bola se dirigiu para a Arena do Pantanal, que funcionaria excepcionalmente com base em laudo técnico da CBF, pois não pôde contar com o alvará do Corpo de Bombeiros, recusado por força de mudanças de risco promovidas pela FIFA.

Ao chegar, uma ocorrência fora do comum despertou o seu interesse: torcedores estrangeiros, que não tinham conseguido revender cinco ingressos, doaram os mesmos a um vendedor de água de coco, que, como pode se imaginar, vibrava com sua família por essa dádiva divina.

A funcionalidade do local e a receptividade dos funcionários contribuindo para a rápida localização do seu assento, ele se instalou e apreciou o ambiente de festa junina, que contou inclusive com os estouros de alguns fogos de artifício e que correspondia exatamente ao clima de torcida estimulado pelas autoridades para esquecer os debates sobre o legado da Copa para as cidades. Instantes depois chegou o ocupante da cadeira contigua e que se apresentou como “João José, mas pode me chamar de Zé”. Para quebrar o gelo, Bola relatou o episódio presenciado na entrada e o Zé aproveitou a deixa para brindá-lo com uma sábia explanação sobre o emprego frutífero do jeitinho na aquisição de entradas dos jogos da Copa: “Sabe Bola, o que vou lhe contar me foi dito por um cunhado de uma prima de segundo grau da minha esposa e que tem um amigo que trabalha na Polícia Federal. Os fãs de futebol que não quiseram, ou não puderam, conseguir ingressos junto ao distribuidor oficial, botaram para funcionar o pensamento criativo e bolaram uma série de práticas irregulares e combatidas pela polícia através da Operação Gol Contra. Até a FIFA teve que aprender com a gente sobre a esperteza nacional, uma verdadeira instituição nossa, e identificou um número significativo de trapaças e golpes, além da invasão pura e simples. A lista de condutas irregulares abrange entre outras malandragens: a compra de ingressos, roubados ou falsificados, de cambistas; o ingresso do jogo anterior; o golpe do ingresso perdido, tentando convencer os seguranças que tinham o direito de entrar; o aproveitamento de credencial desviada e o uso de uniformes e crachás piratas. E olha que os órgãos de segurança tiveram que abandonar mais de 100 mil inquéritos, a maioria dos quais sobre tráfico internacional de drogas, corrupção e lavagem de dinheiro, para se dedicar em tempo integral, não somente ao combate às fraudes com as entradas, como também ao exercício do papel de babá de luxo das seleções”. O apito inicial pôs fim à conferência do Zé. Durante o intervalo a até o final da partida, ele concentrou a sua atenção para apreciar a Arena Pantanal que, segundo soube pela mídia, iria sofrer um desmanche após o Mundial com o objetivo de reduzir pela metade a sua capacidade.

Após saborear uma carne seca com feijão de corda e manteiga na garrafa, seguida de algumas fatias de bolo de rolo no restaurante Leite, que festeja seus 132 anos, Bola fez o percurso de cerca de 20 quilômetros, entre a Praça dos Guararapes no centro e o estádio, a bordo de um dos 50 veículos do BRT (Bus Rapid Transit – uma solução de mobilidade, que fica melhor grafada em inglês) que acabavam de entrar em operação, ainda que de forma incompleta. Nunca tinha visto tantas nacionalidades diferentes reunidas em um mesmo lugar: japoneses, alemães, etíopes, americanos, mexicanos e costa-riquenhos. O português era a língua menos falada. Nessa babel ambulante, chegou rapidamente ao número 01, Letra A, da Avenida Deus É Fiel, endereço oficial da Arena Pernambuco.

Na entrada, ele enfrentou uma pequena demora provocada pela pane de diversas máquinas de raios X e pela desinformação dos voluntários, muitos dos quais se queixavam dos alimentos contaminados servidos pela FIFA. Confortavelmente instalado na sua poltrona e manifestando sua preferência pelo time mais fraco, cacoete de quem acredita em zebras e em mitologia, acompanhou os deslocamentos tresloucados de sua prima Brazuca no campo. No final da partida ele sentiu um imenso orgulho dos torcedores japoneses que, munidos de sacos azuis, especialmente trazidos para tal fim, deixaram as arquibancadas que ocupavam totalmente livres de lixo.

As turbinas do avião apenas desligadas, Bola atravessou rapidamente o terminal de passageiros, com suas obras de ampliação paralisadas, para tomar o ônibus com destino ao Castelão, pois, infelizmente, o horário apertado não lhe permitiria usufruir as belezas naturais da Praia do Futuro e os atrativos da gastronomia como uma peixada cearense no Rei dos Mares. Diz um ditado local que na capital do Ceará, até em dia de chuva faz sol. Ele sentiu no couro os 34º C de temperatura ao percorrer a pé os três últimos quilômetros

Instalado na arquibancada e com o pensamento embalado pela ondulação de um oceano de 60 mil torcedores, deu asas ao imaginário na busca de respostas convincentes para justificar a divulgação de estádios como arenas e vice-versa. No final, o que campos de grama circundados por arquibancadas e destinados à prática de esportes com bolas de todos os tipos, tamanhos e cores têm em comum com espaços centrais, geralmente circulares e cobertos de areia para a realização de combates entre gladiadores e feras (uma versão de MMA na época do Império Romano), de touradas, de rodeios ou de circo? Exauridas todas as tentativas de resposta para essa adivinhação digna de uma esfinge, concluiu que, por falta de maiores fundamentos, essa troca de designação não passava de um mero modismo impelido pela grande imprensa, que soube aproveitar o forte apelo midiático da Copa do Mundo.

Após tais divagações fantasiosas e no caminho de volta para o aeroporto, ele encontrou um grupo de holandeses, que pareciam retomar Fortaleza 360 anos após a breve tentativa de colonizar a costa atlântica do nosso continente. Atravessando a favela vizinha do hotel de luxo que hospedava a seleção canarinho, o grupo descobriu que, nessa comunidade, o craque da camisa 10 virou codinome de crack, a droga que mata.

No aeroporto Luís Eduardo Magalhães, Bola subiu no ônibus executivo com destino à praça da Sé, passando por vários hotéis ao longo da orla. O veículo era dirigido por Eliézer, que dispensava um tratamento VIP a cada um dos seus passageiros, perguntando qual o destino desejado, indicando o melhor caminho e até mesmo dando conselhos firmes, tal um irmão mais velho. Chegou na Igreja de São Francisco, no Pelourinho, local previamente acertado e, a bem da verdade, uma escolha isenta de segunda intenção. Ouviu sonoros e repetidos “meu rei” e, olhando na direção desses típicos clamores de saudação, identificou no mesmo instante a sua nova companheira Jabulani, com seu estilo afro e, consequência da idade, um perfil menos definido em função dos seus oito gomos, dois a mais do que sua jovem prima.

Após vibrar intensamente com uma apresentação do grupo Olodum, caminharam em direção ao Elevador Lacerda, onde tiraram “selfies” dignas de cartão postal, com a Baia de Todos os Santos como pano de fundo e que, como imaginavam os dois, iriam despertar certa inveja da Brazuca.

Misturando-se a moradores, visitantes brasileiros e estrangeiros e ambulantes que ofereciam de maneira insistente produtos piratas ou de origem duvidosa, passearam no Centro Histórico tomado por um alegre ambiente “padrão carnaval”, e experimentaram a comida arretada na forma de acarajés adquiridos ao dobro do preço usual junto de uma Baiana e acompanhados de água de coco, na tentativa de apagar o incêndio bucal deflagrado pela pimenta.

Sem tempo hábil para se cadastrar no site da Transalvador para poder utilizar o metrô, inaugurado na véspera da Copa do Mundo após 14 anos de obra e ainda em operação experimental, eles embarcaram num carro de praça com destino a Arena Fonte Nova.

“Ainda bem que já comemos!” exclamou Jabulani ao ver as longas filas formadas perto dos bares, que atrasaram a abertura por falta de troco para os clientes, autorizados a pagar somente em espécie, pois os estabelecimentos aceitavam uma única bandeira de crédito por força de acordo com os organizadores.

Os dois acompanharam o jogo no meio de uma impressionante quantidade de camisetas laranjas trajadas por uma animadíssima torcida holandesa, acostumada a acompanhar a sua seleção e que se preparou para esta ocasião por sete anos, ou seja, a partir do momento que o Brasil foi confirmado como sede da Copa de 2014. Ao término da partida e encerrando um inesquecível dia soteropolitano com chave de ouro, aceitaram a carona que lhes tinha sido oferecida com destino a Porto Alegre a bordo do “Orangebus”. Trazido da Europa de navio, esse veículo cor laranja de dois andares e adotado como mascote pela seleção holandesa era todo adaptado e os passageiros contavam com um bar sempre bem abastecido, um equipamento de som potente e um confortável piso de grama sintética. Mas, ao atravessar Minas Gerais, o veículo quebrou, obrigando a uma espera de alguns dias para aguardar a chegada de uma peça importada para seguir viagem. Com o tempo contado, o par de viajantes teve que trocar o transporte rodoviário pelo aéreo.

A caminho do Beira Rio, localizado às margens do lago Guaíba e próximo do centro, Bola e sua prima de segundo grau foram convidados por um grupo de torcedores argentinos, acompanhados por várias “Messizetes”, para experimentar um farto churrasco, assado em cima de um carrinho de supermercado num estacionamento, único espaço livre disponível nas redondezas. Bebericando, alternadamente, chimarrão e cachaça Alchemy, versão premium especialmente desenvolvida nas terras gaúchas para esta Copa, todos se divertiram muito ao relembrar as peripécias protagonizadas pelo astro uruguaio e que lhe valeram o surpreendente apelido “canibal do Ajax”.

Ao final do encontro, o grupo se despediu com um alegre “nuevo maracanazo!” e os dois comensais responderam com um sorriso maroto, sabedores que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Graças ao trabalho bem feito dos voluntários, eles localizaram sem demora seus lugares entre 60 mil torcedores que, por uma falha no sistema de som, foram privados da execução dos hinos nacionais dos dois times em campo.

Lamentando a chuva persistente, autêntica calamidade pública, e a falta de tempo para passear pela famosa Praia da Pipa e por outros paraísos potiguares, os dois tiveram uma surpresa desagradável ao descobrir que seus lugares ficavam em setor desprovido de proteção contra intempéries. A metade dos 42 mil torcedores com direito à cobertura para se proteger da chuva, era brindada com inúmeras goteiras. A tal ponto que nem uma hipotética ajuda da influente Brazuca seria de alguma utilidade na busca por um melhor lugar nas arquibancadas, que nem tinham ainda recebido o aval do Corpo de Bombeiros, proibido pela proprietária da Copa de efetuar nova inspeção a fim de verificar se as recomendações anteriores tinham sido atendidas. “Se a FIFA tivesse colocado essa informação no ingresso, eu teria escolhido um outro lugar” sussurrou um Bola ensopado, suscitando a empatia de um jornalista indignado, que lhes confidenciou a existência de um vazamento no centro de mídia, além de um forte cheiro de cola de sapateiro no local em virtude da recolocação do tapete para substituir o outro molhado e que finalizou seus pensamentos mordazes com uma sentença lapidar: “Amigos, aqui na imprensa os vazamentos vão além da notícia!”

O baixo astral reinante conduziu Jabulani a revelar o pesadelo tido na noite anterior, provavelmente um efeito nefasto do farto churrasco compartilhado na véspera com os platinos na capital gaúcha.

Nesse sonho tétrico, a sua prima, no caminho para o hexa, tinha sido arremessada não menos do que sete vezes nas redes da seleção verde amarela, resultando num placar vexatório de 7 x1 a favor de um time europeu. “Nossa, que horror!” exclamou um espantado Bola, que prosseguiu “Posso até imaginar uma utilização mefistofélica desse placar em outras esferas, como, por exemplo, na diplomacia, com o propósito de exemplificar fatos desproporcionais e jamais vistos nas mensagens trocadas por duas nações num ambiente conturbado!”.

O jogo encerrado, os dois compadres subiram no ônibus especial para o aeroporto e se acomodaram próximos da Luzimar, enfermeira de profissão e anjo da guarda por vocação. Ela lhes relatou que, no dia anterior e neste mesmo percurso, percebeu que um turista, distraído pelas comemorações da vitória do seu time, tinha esquecido, em cima do seu assento, uma mochila contendo ingressos, documentos, cartões de crédito e outros pertences. Ela não hesitou e apoderando-se do objeto abandonado, iniciou uma longa jornada que se encerrou com a devolução do bem momentaneamente perdido ao seu legítimo e desesperado dono. Um belo testemunho como presente de despedida de Natal. 

Atravessando alguns corredores em reforma e contornando os montes de entulho, chegaram no entorno do terminal, onde tomaram um táxi e, durante o trajeto, eles se divertiram ao percorrer um guia distribuído pela prefeitura de Manaus e destinado a orientar os prestadores de serviços no atendimento aos estrangeiros durante a Copa. Com extrema propriedade, o panfleto ensina, por exemplo, a distinguir Croatas, Sérvios e Bielorrussos e sugere “não discutir a crise econômica na Europa”.

Dispondo de bastante tempo livre antes do jogo e sob pretexto de experimentar o turismo ecológico, eles decidiram juntar-se aos milhares de torcedores efusivos que engrossavam o “rush” em direção à selva.

Rapidamente, os dois se convenceram que desbravar a selva não é tarefa simples, pois exige enfrentar com paciência os congestionamentos de barcos e uma infinidade de filas para alimentar botos, pescar piranhas, tirar fotos com jacarés e preguiças, segurar cobra ou assistir a um ritual indígena. Os igarapés e as praias fluviais estavam coalhados de pessoas de diversas nacionalidades que, em línguas enigmáticas, manifestavam grande excitação ao passar de colo em colo algum bicho nativo e desconhecido da maioria.

Depois dessa fecunda aventura na selva, assumiram seus postos na Arena da Amazônia ao lado de um casal de torcedores dos Estados-Unidos, um tanto perdidos pela ausência de orientação em língua estrangeira. "Tem sido divertido. Vimos o encontro das águas e eu segurei uma cobra!" confidenciou a jovem professora Erica, ao lado do marido que, sem auxílio de bola de cristal, prognosticou com firmeza os percalços que enfrentaria a equipe americana: “Dizem os entendidos que fingir faz parte do jogo. Os norte-americanos se dão mal no futebol por não saberem simular faltas como os rivais”. Bola ficou pensativo, tentando, sem sucesso, imaginar quais seriam os times capazes de preencher os requisitos aludidos pelo vizinho de cadeira.

Após serem abordados por taxistas clandestinos, se precipitaram no primeiro ônibus para o Largo do Teatro Amazonas e encontraram, com certa dificuldade, dois lugares num restaurante, momentaneamente transformado, como os seus concorrentes, em reduto de turistas, para a imensa alegria dos garçons que recebiam gorjetas polpudas.

Esperando a chamada do voo, Bola descobriu na Internet que voluntários, recrutados para prestar serviço na Copa do Mundo, estavam vendendo materiais de trabalho ganhos da FIFA. Anúncios com fotos para impulsionar a venda, ofereciam mochila por mil reais e manual dos voluntários pelo mesmo valor; uma verdadeira pechincha!

No salão de desembarque de Confins, os dois viajantes sucumbiram ao cheirinho que pairava e se regozijaram com uma cesta repleta de pãezinhos de queijo quentinhos. Um quitute de perder a bola.

Aproveitaram o longo trajeto até o Mineirão para perscrutar o guia oferecido aos turistas pela Prefeitura de Belo Horizonte. Além de detalhar a programação completa dos eventos na região durante a Copa e de sugerir um vasto elenco de lugares marcantes, o livreto trazia numerosas recomendações para o bem-estar dos viajantes. Bola se divertiu ao topar com alguns trechos como: “Verifique sobre a pele a presença de carrapatos e retire-os usando uma pinça” e “Para quem vai para parques, lagoas ou áreas rurais, dê preferência para quartos com ar condicionado, tela nas janelas ou mosqueteiros”.

Exaustos após enfrentar um trânsito pesado, eles tomaram assento no estádio lotado e, percorrendo com um olhar devassador as arquibancadas, notaram um torcedor acomodado num camarote e que carregava ao seu lado, dum ponto para outro, uma imagem da atriz global “Marquezine”, impressa em tamanho real, numa placa de PVC. Inspirada pelo ridículo da situação e, quem sabe, com uma ponta de inveja, Jabulani cochichou “Antes só do que mal acompanhado!”

Deixando o estádio e contrariando seus bons modos, Bola não resistiu à tentação e se apoderou de um pequeno livreto abandonado na arquibancada e que ostentava um título assaz chamativo: “The Bitch Book”. Sob o olhar reprovador da sua acompanhante, ele folheou rapidamente a cartilha editada em inglês pela ASPROMIG (Associação das Prostitutas de Minas Gerais), orientando as suas associadas a reajustar em 30% os preços dos seus serviços e dando dicas para atender adequadamente os turistas anglófonos.

Fiéis ao bordão belo-horizontino “se não tem mar, vamos pro bar”, foram degustar um tropeiro, destaque da culinária mineira tradicional, acompanhado de uma branquinha no restaurante Trindade. Enquanto aguardavam pelo prato encomendado, vieram ao socorro de um casal de estrangeiros que, por falta de um cardápio em inglês, tinham aceito a sugestão do garçom, que se desdobrara para se comunicar, mais com gestos do que palavras, e que estavam em dúvida quanto à comida servida, pois achavam que o frango a passarinho não passava de um pombo. Ao término da lauta refeição, foram abordados por um jovem rapaz que estava vendendo copos de cerveja e de refrigerante usados e que traziam estampados a data, o local e a data do jogo. Esses objetos eram disputados nos lixos das arenas após as partidas e comercializados por R$ 80,00 ou valores muito mais elevados em função da tradição dos times e da relevância do jogo. “Quem disse que a Copa não geraria empregos?” ponderou Bola, já vislumbrando o potencial do negócio.

Saciados, afastaram-se do local a passos redobrados de forma a evitar o caos instaurado pelas confraternizações que contavam com cordiais trocas de garrafadas entre torcidas sul-americanas rivais.

Acolhidos na cidade maravilhosa pelo mau tempo, os dois compadres chegaram no saguão de desembarque repleto de estrangeiros, que vagueavam como bolas sem manica, alguns por mais de cinco horas, e que se queixavam da falta de notícias. O exaspero dos passageiros tomava conta do recinto e se manifestava com frases do tipo "não mostram as informações do meu voo no painel" ou "eu pedi ajuda porque meu voo ainda não estava na tela e me disseram que eu teria que ouvir pelo sistema de som. Nem os brasileiros conseguem entender o que eles falam" ou ainda "os atendentes não falam inglês ou falam espanhol muito mal".

Deixaram para trás essa ilha das lamentações com um cuidado redobrado, pois acabavam de aprender que agentes da CET haviam resgatado um turista que, desorientado, caminhava com suas malas pela Linha Vermelha, na zona Norte do Rio.

Pretendendo aproveitar ao máximo a curta estada e descobrir os segredos da cidade submetida nas últimas semanas a um processo de higienização sistemático, responsável pela retirada de 669 mendigos das ruas na calada da noite, eles se uniram a um grupo de estrangeiros que tinham contratado um guia local chamado Souza. Fortemente engajado com as causas sociais, ele propunha um passeio singular, que explorava vielas e labirintos de ruas invadidas por emaranhados de fios pendurados. Ao passar por um esgoto a céu aberto na Rocinha e com o firme propósito de expor os problemas de infraestrutura dessa comunidade e a completa ausência de investimentos públicos, Souza instruía seus seguidores em um inglês fluente "não tape o nariz, respirem fundo, porque vocês só vão passar cinco minutos aqui. Essas pessoas vão morar aqui a vida toda. Isso sim é violência!".

Bola, saturado com esse passeio social, convenceu sua amiga de abandonar o grupo e seu líder para mudar de ares e respirar a brisa na beira-mar. A cidade tinha se transfigurado num gigantesco acampamento improvisado por um universo de jovens torcedores, vindos principalmente dos países vizinhos e que criaram um novo movimento: os "sem hotel". Esses "desalojados", adeptos por necessidade do "turismo no colchonete", dispunham de um cacife limitado, tornando inviáveis até as diárias de modestos albergues, e dormiam ao relento nas praias ou, no caso de chuvas, na rodoviária. Perambulando pela cidade e apreciando as belezas, amplamente cantadas em verso e prosa, ficaram absolutamente convencidos que se encontravam no "lugar abençoado por Deus". Ao ladear milhares de pessoas vindas dos quatro cantos do mundo, Jabulani resolveu aproveitar essa deixa para, numa improvisada aula de geopolítica patrocinada pela Copa, testar os conhecimentos de ambos com perguntas do tipo: "que língua falam?", "de ondem vêm?", "onde fica?" e "que camiseta é essa?". Cansados deste absorvente jogo de adivinhação e, antes de se dirigir para o Maracanã, eles resolveram experimentar uma das receitas nascidas no Rio e optaram pela sopa leão veloso do Rio Minho, na Rua do Ouvidor.

Saciados, rumaram para o metrô e disputaram bravamente seus lugares num vagão lotado de chilenos animadíssimos e de “Diabos vermelhos” carregando bandeiras “Brasilbelga”, uma adaptação da bandeira nacional com as cores da Bélgica e com os dizeres “Vamos Bélgica” substituindo a divisa “Ordem e Progresso”. Impulsionados para fora do trem na estação final, acompanharam a maré de torcedores pela escada provisória que desembocava no entorno do estádio e passaram por diversos cambistas, que agiam livremente no local, vendendo ingressos, eventualmente contrafeitos, por preços não inferiores a mil dólares. Jabulani achou ainda tempo para um selfie ao lado de um guarda poliglota com um megafone na mão e uma braçadeira onde se lia “Est-ce que je peux vous aider?” (Posso ajudar?). Evitando os tumultos causados por torcedores sem ingresso, que tentavam invadir o espaço forçando os portões ou pulando o muro, os dois compadres tomaram rapidamente posse dos seus lugares. Como estava chegando o momento de cada um voltar para seu país, Bola perguntou “Por acaso, sentiu falta de alguma coisa neste evento?” e Jabulani respondeu “Puxa Bola, que excelente pergunta para uma despedida. Sim, nutria a esperança de conhecer Fuleco, o tatu-bola mascote da Copa, que simbolizava a proteção da natureza e que tinha por missão comunicar a importância do meio ambiente e da ecologia. Infelizmente, ele sumiu dos estádios. Ouvi dizer que a FIFA não destinou um centavo sequer para preservá-lo. Parece que esse legado ecológico vai somar-se a numerosas outras frustrações do Mundial”.

Bolão voltou para a sua casa no exterior, com a satisfação do dever cumprido, pois tinha percorrido, com sucesso, as doze cidades sede. Ainda bem que se trata de um conto, no qual eventuais semelhanças são meras coincidências! Imaginem se tudo isso fosse verdade!

É certo que o Brasil DC (Depois da Copa) será melhor e bem diferente do Brasil AC (Antes da Copa), particularmente se a Comunicação contribuir com a substituição da “lei de Gerson” pelo “Padrão Fifa”, até mesmo com jeitinho.


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