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COLUNAS


Jean-François Hue


Com sólida trajetória nas áreas de marketing e de comunicação empresarial, já atuou em organizações renomadas como Air France, Copersucar, Saint-Gobain, Abril e Accor. Em 2009 criou a sua própria empresa, a Spyrals, para dedicar-se principalmente à Comunicação Organizacional orientada para o desenvolvimento dos negócios.

Formado em Administração Pública e pós-graduado em Administração Mercadológica (CEAG) pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, participou do 4º Curso Internacional de Comunicação Empresarial da Aberje e Syracuse University, frequentou cursos de especialização no exterior, ministrou palestras e é autor de artigos sobre marketing e comunicação publicados em mídias de grande circulação.

Atualmente é membro do Conselho Fiscal da Aberje, tendo atuado junto ao Conselho Deliberativo da associação de 2002 à 2014. Também integrou o Colégio Eleitoral da ECA-USP entre 2006 e 2008, para a escolha dos finalistas do Prêmio USP de Comunicação Corporativa. Participou de várias edições do Prêmio Aberje como jurado na categoria Relações com o Público Interno e foi indicado como um dos dez profissionais de Comunicação Institucional no Prêmio Comunique-se em 2007 e 2008. Eleito conselheiro da Câmara do Comércio França-Brasil desde 2010, integrou o Conselho Editorial da revista França Brasil até dezembro de 2013 e participa da Comissão de Comunicação.

O qe é iso?

              Publicado em 24/10/2014

Logo após ter obtido seu diploma do curso de ciência kafkiana por correspondência, Hugo resolveu tentar sua sorte na cidade grande. Dotado de um notável espírito empreendedor e de um pensamento dissecante, ele tinha montado um negócio que, segundo ele mesmo preconizava, conheceria um sucesso estrondoso e contribuiria fortemente para a prosperidade, a sua e, na sequência, da nação. Tratava-se de uma lavanderia. Mas não qualquer uma, pois, diferentemente do que existia no mercado, ele removia todos os tipos de manchas e lavava qualquer coisa: roupas, cortinas, edredons, sofás, bicicletas, carros, dinheiro e, mais recentemente, fichas. Em suma, só não limpava ainda consciências, pois o projeto se encontrava em fase de testes. Por conta da vastíssima gama de serviços oferecidos, a loja tinha recebido o nome “Buraco negro”, em homenagem àquele corpo celeste que, por definição, absorbe integralmente qualquer matéria capturada pelo seu campo gravitacional.

Aproveitando uma tarde ensolarada, o Hélio tinha decidido visitar o seu amigo Hugo para apresentar um projeto revolucionário. Personagem não muito afeito ao trabalho rotineiro, mas dono de uma invejável imaginação, que lhe valia o apelido de “Zé jeitinho”, ele procurava, sem descanso, modos para complementar seus parcos rendimentos mensais auferidos como funcionário de uma importante instituição financeira. Contratado para ocupar uma posição de destaque na área de comunicação, o trabalho lhe parecia bastante fácil, sua responsabilidade se limitando a estrita divulgação das verdades que o fornecedor desejava tornar públicas. Esse cargo lhe trouxe a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos profissionais com as mais modernas teorias e inéditos modelos de excelência no âmbito das relações com os diversos públicos. Ele aprendeu, então, que o sucesso de um negócio se resume em agradar a fonte e não mais em ser útil ao cliente, pois, como reza a moderna gestão, o fornecedor tem sempre razão. Aliás, corriam boatos que seu antecessor tinha perdido o emprego por agir com total imparcialidade, privilegiando o interesse dos correntistas e contrariando frontalmente o “modus operandi” exigido pelo empregador.

O projeto que o Hélio pretendia discutir tinha por fonte de inspiração a leitura de alguns artigos na mídia que se reportavam a um estudo proposto por uma Comissão dentro do Senado para facilitar o aprendizado da nossa língua, mediante a adoção de mudanças ortográficas. Ele não tinha nenhuma dúvida quanto a excelente acolhida que o Hugo reservaria a essa proposta inovadora, pois o assunto focava nada menos que a higienização do português e estava, portanto, perfeitamente alinhado com os serviços oferecidos pela lavanderia “Buraco negro”.

Chegou a seu destino, onde encontrou o seu amigo munido de um esguicho e empurrando, com invejável afinco, algumas folhas secas que maculavam a calçada na frente de sua loja e comprometiam a imagem do seu negócio. Findo o ritual das saudações ruidosas, que incluíam um sem número de abraços efusivos, o Hugo deu início ao seguinte diálogo.

- E aí primo, está animado com seu trabalho e a sua presidenta?

- Sim, empolgadíssimo com as minhas descobertas sobre esse imprevisível mundo empresarial e os seus códigos de conduta em constante mutação. No início, me atrapalhei um pouco na hora de fornecer aos clientes somente as informações endossadas pelo fornecedor-mor. Porém, com as orientações impositivas da minha chefa, acabei convencido que o cliente ser rei é um axioma superado. Em resumo, acho que a presidenta está muito contenta com meu trabalho.

- Puxa, que bom! Mas, me conta, o que o traz nestas redondezas...

Antes de responder, Hélio deixou passar uma velha camionete ornamentada com um potente alto falante que propagava no ar mensagens estridentes num volume tal que as tornava perfeitamente incompreensíveis.

- Hugo, essa poluição toda é para vender pamonha?

- Não, meu caro, essa daí é para vender candidatos no momento de eleições.

- Ah bom...! Vim aqui para te propor o negócio da china, uma parceria vencedora, irrecusável, padrão FIFA... e, mais ainda, uma mola para aumentar exponencialmente tuas atividades no campo da limpeza!

- Hum, sei. Conta mais sobre essa operação genial.

- Alguns importantes amigos me confidenciaram o seguinte: no Senado, que, pelo jeito, parece preferir discussões sobre ortografia aos debates maçantes em torno de temas fundamentais envolvendo diretrizes do Governo voltadas ao bem-estar da nação, foi criado um grupo de trabalho numa das comissões para modificar algumas regras do idioma português, com o nobre objetivo de facilitar seu aprendizado. Para atingir essa indiscutível renovação da língua, foi selecionada a opção mais avançada, que consiste na eliminação de um bom número de letras como “ç”; “ss”; “sc”; “ch”; “x” com som de “z”; “s” com som de “z”; “u” após o “g” e o “q” antes do “e” e do “i”; “xc” e “c” com som de “s”; e a extinção do hífen. Como vê, trata-se de um programa de higienização linguística fora do comum. E limpeza é sua especialidade.

- É verdade, mas não entendi bem a relação entre os meios escolhidos e o fim proposto.

- Segundo os levantamentos levados a efeito, esse saneamento, que visa facilitar o aprendizado, geraria uma substancial economia com a educação, pois o número de aulas de ortografia ministradas desde o início do fundamental até o final do ensino médio seria reduzido em aproximadamente 60%. Imagina também a alegria dos alunos que deixariam de se preocupar com as pegadinhas: seria o mesmo “conserto” para a música e para a mecânica; “sessão” poderia ser aquela das quatro horas ou a identificação de um espaço no supermercado! Já estou ouvindo os aplausos da estudantada! Sucesso total!

- Não me diga que se for provocado, vai peitar um eventual desafeto falando “Opa, olhe lá! sou omem, muito omem, com O maiúsculo!”.

- Imagina estender esta reforma aos nomes próprios! Todos os cadastros teriam que ser refeitos: RG, CPF, bancos, títulos eleitorais, contratos e muitos outros documentos. A primeira vista, parece uma verdadeira mina de ouro... Hugo, você perderia um montão de posições em todas as relações elaboradas a partir da ordem alfabética e eu, em compensação, ganharia um grande número de lugares! Agora, quem ficaria felicíssimo mesmo é o nosso primo Habib! Ele passaria do meio das listas para as primeiras filas...

- Falando nele, deixa te mostrar o pequeno reclame que bolei para atrair fregueses e para divulgar o quanto a lanchonete já está comprometida no futuro...

Unindo o gesto à palavra, Hugo extraiu de sua pasta um pedaço de cartolina com os seguintes dizeres:

“Não fasa serimônia, peca o noso menu degustacão:

1 pão de qejo + 1 Ot-dog + 1 xope + 1 café espreso ou 1 xa

Tudo isso por apenas qinze Reais!

Aceitamos xeques”

- E ai Hélio, gostou? Que tal essa ocasião sem igual para reescrever a história?

- Meu caro, acho que é ainda muito cedo para uma decisão sobre um assunto desta dimensão. Nada me convence que os índices de analfabetismo se reduzam na hipótese da ortografia tornar-se fonética. O âmago da questão é a alfabetização da população mais carente, a começar pelos 13 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais, sem contar o expressivo contingente condenado ao analfabetismo funcional. Estou convencido que, antes de mudar o vocabulário, seria bom ensinar a ler, pois um analfabeto, com ou sem reforma da língua, continuará a ser analfabeto e à margem da sociedade. Por tudo isso, sinto dizer que a reforma da ortografia não me parece ser ainda assunto da hora.

- Acha mesmo? Pois eu estou pensando, após esse projeto decolar, descobrir um cobrão do mundo político para propor um plano de higienização do sistema numérico. Sabe, alguma coisa como considerar somente os números primos...

Encerrado o diálogo e após os salamaleques, o Hugo ficou olhando seu primo distanciar-se devagar na ladeira e pensou: “Como é complicado ser simples, inclusive na comunicação”.


Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 2576

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