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COLUNAS


Luiz Fernando Brandão


Jornalista e tradutor, é diretor da in futuro, consultoria de comunicação que valoriza a transparência, a prestação de contas e o engajamento genuíno dos públicos estratégicos como vetores de transformação no ambiente dos negócios. Com 40 anos de experiência profissional, especializou-se na gestão da narrativa empresarial no contexto da sustentabilidade. É membro do conselho deliberativo e professor do programa de MBA da Aberje.

Quem viver lerá

              Publicado em 14/03/2014

Há coisa de três ou quatro anos, uma das maiores livrarias brasileiras e da América Latina, detentora já então de mais de três milhões de títulos, começou a vender livros eletrônicos. E anunciou a novidade em todas as lojas de sua rede com um slogan bastante sugestivo: “O importante é ler”. Sugestivo e feliz, ao resumir em quatro palavras uma questão que, por força da tendência humana em fazer escolhas a partir de extremos, para muitos parece inconciliável: papel ou digital, o que é melhor?

No cipoal em que arrisca enredar-se o senso comum — não raro constituído de posicionamentos e opiniões equivocados, porque incompletos — na discussão sobre o destino da vida na Terra, nosso velho companheiro papel é há tempos objeto de um sem-número de questionamentos, e bastante injustiçado por sinal. Protagonista de boa parte do processo civilizatório, ele foi e continuará a ser importante na difusão do conhecimento e da cultura, na saúde, higiene e bem-estar das pessoas, assim como em diversas outras finalidades igualmente nobres. 

Mas quem já não leu, na assinatura de uma mensagem eletrônica, o alerta “Antes de imprimir, pense no meio ambiente”? Ou o “Use papel reciclado, salve uma árvore”, disseminado nas escolas por professores empenhados em conscientizar aqueles que, do nosso legado, construirão o depois de amanhã, em tempos de incerteza, aquecimento global e redes sociais?

Ambas as sugestões reforçam cuidados importantes e necessários, mas sua interpretação numa leitura superficial pode induzir ao erro. A louvável intenção original — conscientizar sobre a conservação da cobertura vegetal, os perigos do consumo irresponsável e a importância da reciclagem — é atropelada por frases de efeito que não privilegiam o conhecimento aprofundado. As pessoas seguem sem parada para reflexão a corrente dominante, e terminam convencidas de que é apenas na natureza do produto, e não também na forma como é fabricado e utilizado, que devem basear suas preferências e exercer a parte que lhes cabe na construção do futuro de seus filhos e netos.

Sérios equívocos já foram cometidos pelo homem, ao achar-se capaz de interpretar o comportamento do ambiente e interferir para ajudar. Lembra-nos o falecido escritor Michael Crichton, no romance Estado de medo, entre inúmeros outros exemplos nessa linha, o ocorrido no início do século 20 no Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos. Naquela que foi a primeira área oficialmente designada como reserva ambiental no mundo, funcionários ciosos de sua missão, ao observarem mudanças no ambiente e julgando entendê-las, resolveram que a população de lobos crescera demais e trataram de exterminá-la. O desequilíbrio provocado pela intervenção radical na cadeia alimentar foi possivelmente um dos primeiros desastres ambientais da história moderna perpetrados com a melhor das intenções.

Faltava na época, como falta ainda em nossos dias, sobretudo para os leigos, um entendimento mais completo das questões relacionadas ao ambiente. A tendência ao engano embasado na interpretação simplista do que se apresenta como verdade absoluta prevalece. A constatação do erro, infelizmente, vem muito tempo depois, quando os efeitos podem ser irreversíveis.

Assim, por força da repetição, acredita-se que, como quase todos os papéis são feitos de madeira, por extensão seu consumo constituiria uma ameaça ao verde do planeta. Por isso, as árvores devem ser “salvas” — uma verdade parcial. Esquece-se ou desconhece-se que, já há décadas, a maior parte do papel consumido no mundo provém de florestas renováveis para uso comercial, de rápido crescimento, cujo cultivo não apenas contribui para proteger e conservar as árvores nativas, a biodiversidade e os recursos hídricos, mas também é hoje, comprovadamente, uma das formas mais eficazes de estocar carbono e mitigar o chamado efeito estufa.

Ainda na década de 90, um estudo independente que é tão interessante quanto pouco conhecido foi encomendado ao Instituto Internacional para o Desenvolvimento Ambiental (IIED), de Londres, por um grupo de empresários desejosos de respostas confiáveis para essas questões. No trabalho, intitulado O ciclo sustentável do papel, um grupo multidisciplinar rastreou a pegada de carbono de todo o ciclo de vida do papel e concluiu que seu uso sustentável é viabilizado por um conjunto de quatro expedientes: o emprego de fibras virgens oriundas de fontes renováveis; a reciclagem de parcela do papel usado; a incineração e a transformação em energia de parte do que foi descartado; e a destinação do restante a aterros sanitários.

De volta ao livro tradicional e ao eletrônico, ambos, como tudo na vida, têm vantagens e desvantagens. Assim como outros bens de amplo consumo, se fabricados e utilizados de forma irresponsável, acarretam prejuízos. E não necessariamente implicam escolhas definitivas e excludentes, como certa feita expressou, com muita propriedade e a dose certa de emoção, o colunista Gianni Carta — evidente amante da boa literatura — na revista Carta Capital.

Acredito que só o conhecimento, o espírito crítico e a sabedoria, proporcionados entre outras fontes pela leitura, podem nos ajudar a superar as ameaças que as forças insondáveis da natureza, sejam elas associadas ou não ao modelo econômico prevalente no mundo dito civilizado, trouxeram à vida no planeta – as alterações climáticas, sem dúvida, a mais premente. O plantio de árvores para múltiplas finalidades, o desenvolvimento de tecnologias limpas para uma economia de baixo carbono e, evidentemente, o consumo esclarecido estão entre as frentes a serem exploradas nas adaptações que se impõem. Sempre fundamentadas em políticas públicas que privilegiem a educação.

Por paradoxal que possa parecer, escolhas pautadas por informação incompleta são tão arriscadas quanto aquelas fundamentadas no completo desconhecimento. Quase todo dia somos demandados a nos posicionar e a fazer escolhas sobre as mais diversas questões – econômicas, políticas, ambientais e tantas outras. Para fazer isso com propriedade, a experiência e o bom senso recomendam uma boa leitura. Quem viver lerá.

 


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