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COLUNAS


André Boavista


Especialista em Publicidade pela USP/SP, Pós-Graduado em Marketing pela RUY/BA e Bacharel em Administração pela FTE/BA. 

Atua nas áreas de Comunicação, Marketing e Tecnologia. Escreve profissionalmente (gerencia e cria conteúdo) e em blogs de nicho.

@andreboavista

 

Para Noossa Alegria

              Publicado em 10/07/2012

Se dá assim, de repente mesmo, sem aviso ou alerta. Uns poucos minutos de fúria, desatenção ou vacilo e lá estão suas movimentadas imagens imortalizadas no devorador de reputações mais eficaz que já surgiu em todo o mundo. O monstro é conhecido como "vídeo compartilhado" e não poupa ninguém, desde os mais simples mortais pegos em singelos atos de higiene nasal ou ajuste da roupa de baixo seguida de uma conferida aromática das pontas dos dedos, até as celebridades mais faladas do momento flagradas coçando o ouvido e logo depois roendo a unha do mesmo dedo que havia recolhido a cera.

É a realização da visão de Orwell onde nada escapa aos olhos do onipresente Big Brother, porém amplificada, porque nesse caso não existe um único grande irmão, mas bilhões, que jazem aqui e ali, latentes, mas pulsantes e equipados com celulares que não só possuem câmeras, como estão conectados à internet. É a praga do dispositivo de mídia hiperconveniente, diria aquele aluno do Dr Paulo Nassar, professor doutor da USP e criador do termo que deu outro nome aos grandes e populares cúmplices do destruidor de reputações: os celulares e tablets com capacidade para captar e difundir imagens, sons, atitudes e provas imagéticas. É a era midiática, onde todos, empoderados, são, geram e compartilham conteúdo.

Veja aquele caso do dedicado pai de família que foi filmado dando um fenomenal esporro no atendente da assistência técnica para onde havia levado a sua televisão nova que, logo após os sete dias regulamentares da permissão para trocar por uma nova, resolveu parar de funcionar - logo quando ele havia conseguido concluir a obra de embutir os fios e instalar todos os diversos devices plugados na tv que seus filhos cobravam a cada segundo do seu dia em que podia ouvi-los.

Esse distinto senhor foi gravado impaciente dentro da assistência técnica após saber que a peça que havia originado o problema na tv novinha iria demorar de vinte a trinta dias para chegar. "Vem de jegue é?" perguntou o senhor, movimentando tão fortemente a mão e o dedo que a gravata pulou do peito e debruçou-se em seu ombro (mais tarde, após compartilhada nas redes sociais, essa pergunta foi considerada anti-nordestina e por essa razão ele foi tachado de racista). O atendente, que com um fone de ouvido falava ao celular ao mesmo tempo em que ouvia e anotava a reclamação do senhor, comentou em um dado momento que não podia fazer nada já que os ingressos para o show do Balangoré não estavam com ele - o senhor indignado mais uma vez perguntou, sem se dar conta que o atendente não estava falando com ele "você está maluco é? Você por acaso me acha com cara de pagodeiro ou cantor de brega é?" os celulares dos que estavam presentes também registraram essa passagem que garantiram posteriormente novas acusações, uma de falta de educação com o pobre rapaz da assistência, outra por desmerecer a categoria de cantores de pagode e afins e mais uma por desrespeitar a classe de cantores românticos regionais. A conversa durou uns dois minutos com seguidas acusações e respostas duras do senhor até que finalmente ele se deu conta que o atendente estava falando com outro interlocutor no celular e só de vez em quando, ao repetir  "estou vendo no sistema" é que o rapaz se dirigia a ele.

Nem tentem saber o desfecho do problema da tv do senhor, mas saibam que quando o vídeo viralizou (é fatal) ele foi duramente repreendido em seu trabalho e avisado que a promoção que esperava havia anos fora prorrogada por tempo indefinido até o RH ter tempo de realizar uma série de entrevistas e testes com ele. Sua filha mais velha, assídua frequentadora do maior site de compartilhamento de vídeos do mundo, logo descobriu seu pai sendo mostrado como o destrator de pessoas e todas as demais acusações contidas no vídeo compartilhado que já havia superado a marca de um milhão de visitas na primeira semana após o episódio. "Como você foi capaz de tamanha crueldade com o rapaz pai?" disse ela chorando de decepção e tristeza enquanto corria para se trancar em seu quarto.

Foi preciso muito tempo para cicatrizar as feridas abertas com o vídeo: o senhor foi chamado de nazista, radical, intelectual de meia-tigela e outros adjetivos que procuravam demonstrar como aquele senhor, que ninguém sabia ser tão pacato, trabalhador, cordato e devotado à família, era um canalha frio e arrogante. Nem adiantava ele dizer  para as pessoas que estava nervoso e que tinha se desculpado posteriormente com o rapaz ou que o contexto havia sido mal explicado no vídeo, normalmente elas faziam de conta que aceitavam as explicações dele e passavam a trata-lo com distanciamento e cuidado.

Com a intenção de apagar aquele episódio e evitar que a filha mais velha entrasse em depressão ele organizou uma viagem de férias com a família para a China, onde a língua tão diferente pudesse dar-lhes um descanso no fato corriqueiro de o reconhecerem como o protagonista daquele vídeo desprezível.  Tudo ia bem até que um dia, depois de se perderem na grande muralha e não conseguirem estabelecer uma comunicação com os chineses que avistavam do outro lado, ele correu na frente da sua família e se deparou sem saber com uma família brasileira para a qual, imaginando se tratar de gringos, dirigiu umas palavras em inglês macarrônico: "do you help us?" Ao que ele ouviu: "O que você tá falando?" E ele, feliz por ter encontrado conterrâneos em um momento tão importante, mas sem perceber que estava sendo filmado, mandou um sorrisão verdadeiro e gritou para sua família engasgado com a emoção "Aqui, venham rápido, para nooosssa alegria…"


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