Todas as vezes que os injustiçados do mundo ganham espaço nas telinhas dos gadgets de última geração e nas correntes caudalosas de e-mails e o barulho digital é tanto que chega até aos veículos de comunicação tradicionais, muita gente destaca as boas qualidades do que chamam de uma nova opinião pública. Os mais entusiasmados com essa teia social se esquecem das aranhas privadas e governamentais que deslizam nelas, e criam na rabeira de Jürgen Habermas o rótulo simpático da esfera pública digital. Esta ideia de um mundo bom, cognitivo, integrado pela comunicação digital, – seja idealizada na forma de uma “noosfera” (uma "camada pensante", "além e acima da biosfera"), do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, da “aldeia global”, de Marshall McLuhan, da “ecologia cognitiva”, de Pierre Lévy, da “Terra-Pátria”, de Edgar Morin, e da “sociedade em rede”, de Manuel Castells, dentre outros pensadores otimistas dos campos da cognição, das ciências sociais, da filosofia e da comunicação, – é constituída seletivamente de atributos positivos inerentes aos relacionamentos, dentre eles, destaco a possibilidade de formar pela conversação e colaboração abertas, em nível mundial, superando todo o tipo de diferença cultural, histórica, política e econômica, uma nova opinião pública, que produz ações conjugadas, agora, em um ambiente sociotécnico, quase pós-humano, híbrido de humanidade, gadgets e redes telemáticas.
Miticamente, mais eficaz, segundo os seus seguidores, do que a opinião pública tradicional, – agendada pelos meios de comunicação tradicionais, controlados por interesses privados e pelas regulações e poderes estatais –, diferenciados pela sua abrangência, que é inclusiva, pela sua independência, velocidade e transparência, essa nova opinião pública tem dentre os seus meios de comunicação protagonistas descentralizados e móveis como smartphones e notebooks, onde se aninham as redes sociais. Este belo retrato geralmente desenhado pela maioria dos protagonistas dessa nova opinião pública, entre eles as grandes empresas de tecnologia de informação, blogueiros, net-ativistas, não mostra que, além de novas questões, essa nova esfera pública carrega os problemas da velha opinião pública, principalmente aqueles referentes à produção das informações, em termos de quantidade e qualidade. Um deles, a determinação da relevância daquilo que a produção global de mensagens, multiplicada de forma exponencial por mais autores, disponibiliza para cada um de nós, sem nenhuma cerimônia e quase sem barreiras. “Quem lê tanta notícia?”, perguntou, nos distantes anos 1960, Caetano Veloso, em sua canção “Alegria, Alegria”.
A pergunta cresceu em importância porque a Internet nos traz junto com a produção jornalística, pilar fundamental para a consolidação da opinião pública, na segunda parte do século XIX, a concorrência de todo o tipo de conteúdo, entre eles, o entretenimento e as informações de perfis referencial e conversacional. Na atualidade, qualquer ser humano nascido nessa nova ordem digital pode simplesmente não se interessar por uma narrativa que não seja a ficcional, durante toda a sua vida.O contrário, também, é verdadeiro, as notícias jornalísticas produzidas torrencialmente geram, além de medo do próximo e daquilo que é coletivo e social, uma tirania do presente. Esta paralisia social provocada pela quantidade exorbitante de informações de todo o tipo foi profetizada por Marshall McLuhan, em seu livro “Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media)”, de 1964. Em nosso cotidiano, estamos com as caixas de e-mail abarrotadas de informações invasoras. Raro é o dia em que o nosso celular não é tocado por uma conversa mercadológica não autorizada. É difícil não nos confrontarmos com as novas formas que a sociedade utiliza para se inteirar, integrar-se, persuadir, manipular, controlar, aprender, fazer-se ver e ser visto, conversar e fofocar. Isso porque o tempo todo, as multidões estão opinando, capturando imagens em quantidade descomunal e as disponibilizando facilmente para audiências abrangentes.
No ambiente da sociedade industrial, a produção de informação verticalizada construiu na cabeça de escritores como George Orwell a idéia de um Big Brother (“1984”), observador e repressor de comportamentos que se diferenciavam na massa humana homogênea e obediente, metáfora de governos totalitários à esquerda e à direita. Em nossa sociedade está ocorrendo rapidamente a massificação da produção de informação, agora vertical, horizontal e transversal, vinda de todas as direções, e da vigilância, na forma de Big e de Small Brothers, esses pequenos irmãos contaminados pela ideologia da espetacularização de qualquer coisa, do assassinato da pequena formiguinha até a Luiza que está no Canadá. Pior, quando esses olhos estão munidos de bíblias do politicamente e do viver corretos. Essa produção mediática da multidão, muitas vezes, formatada sem preocupações técnicas, éticas e estéticas, com certeza não contribui para a consolidação de uma conversação democrática, que respeite a alteridade, dê tempo ao contraditório e à comunicação.
Esta nova opinião pública é rápida em linchamentos simbólicos, em expressar preconceitos homofóbicos, xenofóbicos, racistas e antifemininos, em blogs, redes sociais e mensagens rapidinhas, de 140 caracteres. Em seu âmbito, os limites entre o público e o privado praticamente não existem. A casa e a rua, o silêncio e o barulho, o nu e o vestido, estão nesse inferno embaralhados e prontos para o espetáculo do bullying das torcidas organizadas digitais. Nesse emaranhado de fibras óticas, as práticas de jornalismo cidadão e a convivência cidadã são manifestações exóticas. Exemplos não faltam para demonstrar que, na atualidade, a significação da informação ¬ – tradicionalmente ligada às experiências vivenciadas no cotidiano, tais como os momentos de comensalidade, conversação, consensuar ou simplesmente conviver – foi substituída pelo consumo da informação. Um consumo rápido em escala exorbitante, que não se transforma em sabedoria, fim em si mesmo, que nos leva a habitar uma bolha inconsequente do presente, separada do passado e do futuro. Diante disso, é estranho que ainda não surgiram movimentos políticos, que lembrem os luddistas ingleses, do século XIX, com o objetivo de quebrar computadores, parar a internet, destruir hardwares e softwares produtores de informação e de uma sociedade global sem significado.