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Paulo Nassar
diretoria@aberje.com.br

Diretor-Presidente da Aberje - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-doutor pela Libera Università di Lingue e Comunicazione, Milão, Itália. Integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA/USP). É Coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP). Autor de inúmeras obras no campo da Comunicação.

O país da ilusão

              Publicado em 05/11/2015

Copyright Correio Braziliense - 04/11/2015

Por Paulo Nassar e Francisco Viana* 

 

Não. Não iremos falar do presidente da Câmara e das suas contas na Suíça. Também, não iremos falar do batido tema do impeachment ou não da presidente da República. Igualmente, não abordaremos o erro crasso de comunicação do PT de discutir o destino do ministro da Fazenda pela imprensa e muito menos abordar a candente questão do volta ou não volta Lula em 2018. Tratar da crise econômica, nem pensar. O nosso propósito é tratar de algo que se encontra na raiz de todas essas questões: a ilusão que hoje envolve a sociedade brasileira.

Nos primeiros anos da volta das eleições diretas para a presidência da República, imaginamos que a modernização política seria rápida e inexorável. Houve o impeachment do primeiro presidente eleito, sob o bombardeio de denúncias de corrupção, a moeda se estabilizou e a inflação foi domada. Uma após outra as heranças da ditadura, entre elas a famigerada Lei de Imprensa, foram lançadas na lixeira da história, o país passou a ser referência internacional de transição para a democracia, privatizações deram novos impulsos à economia, o consumo explodiu e mais de 30milhões de brasileiros deixaram a linha da pobreza. A sociedade parecia caminhar para um duradouro ciclo de desenvolvimento.

Pura ilusão. Como o mitológico Proteu, a ilusão apenas estava mudando de forma. Se no passado, se fazia presente pela ingerência do Estado nos diferentes campos da economia, prática que alcançou seu apogeu com o Estado Novo nos idos de Vargas e, mais tarde, com a ditadura militar instaurada em 1964, e, consequentemente, na vida do cidadão, nos dias atuais era mercadejada pelo marketing político. Elaborou-se a narrativa de um país inclusivo, onde os sonhos podiam se realizar, o cidadão, no cotidiano, bateu de frente com um outro país, este recordista em violência, com impostos que desafiam a gravidade e práticas burocráticas que fazem os tempos da Coroa Portuguesa parecerem brincadeira de criança. Isto sem falar da perversa infraestrutura e da corrupção que se tornou endêmica. Como um veneno se espalhou por toda a parte.

Como abandonar o labirinto da ilusão e resolver os verdadeiros impasses da realidade? É uma questão de vontade. Entre as heranças positivas das últimas décadas, pode-se alinhar a legalização das esquerdas, a organização e mobilização da sociedade – que encontra o seu ápice na mobilização pelas Diretas já e, posteriormente, nos protestos de junho de 2013 – e, acima de tudo, a percepção de que o País precisa de uma nova narrativa política, voltada para o cidadão comum, que não mais aceita ser tratado como artigo de manipulação de marqueteiros e políticos inescrupulosos. As peças da ilusão estão se liquefazendo porque a sociedade manifesta o direito de participar. Parece passiva, mas na realidade observa, transmitindo a sensação de que amadureceu enquanto seus representantes permanecem no passado, cultivando os tumores da hipocrisia em lugar de perfurá-los.

Etimologicamente, a palavra ilusão deriva do verbo latino illudo. Significa, ao mesmo tempo, divertir-se, recrear-se, e, também burlar , camuflar e enganar. 

É sobre esse aspecto que a ilusão se distingue da mentira, do sensacional e do espetáculo. A mentira é o trivial. Os jornais estão repletos de exemplos cotidianos: os mentirosos são desmascarados pelas contradições dos fatos. A ilusão, por sua vez, está associada à percepção. Em termos de comunicação, pode ser explicada pelo poder da indução ou na produção do consenso, isto é, o poder da "verdade". O segredo do processo é estimular o impulso, a emoção em lugar da razão. A lógica combina propaganda, informações negativas, o culto aos valores tradicionais e às lideranças personalistas, a rejeição às mudanças. 

A identidade da ilusão encontra-se no ato de repetir: a repetição engendra a surdez da razão, inibe a reflexão e a consciência. Coage o pensamento a não pensar. Basta refletir em torno desses cânones para se perceber porque não adianta mais falar das contas bancárias de Eduardo Cunha na Suíça, falar do impeachment como panaceia para os problemas brasileiros ou saber qual será o destino do ministro da Fazenda. O que é real e o que é ilusório se tornou visível na prática. O fio de saída do labirinto está em retomar os sonhos inconclusos da sociedade e escolher por não mais repetir o conteúdo ilusório do passado. Caso contrário, cedo ou tarde, a sociedade irá se manifestar. E os mercadores de ilusões serão defenestrados do poder. Que disso não exista dúvida.

 

* Paulo Nassar é diretor presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial  (ABERJE) e Professor Livre-docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP); Francisco Viana é consultor de empresas e Doutor em Filosofia Política (PUC-SP).


Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1744

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