Não-Ação como "energia comunicacional": menos calor, mais luz
Em uma reflexão que propus há algum tempo atrás, intitulada “O esperado encontro entre o discurso e a ação1”, texto que versa sobre uma perspectiva legítima de “poder”, afirmei que “quanto mais nos distanciamos de nós mesmos, mais nos esquecemos de quem realmente somos. Quanto mais nos lançamos a um suposto futuro, idealizado segundo o nosso ilimitado pensamento, mais nos aproximamos da (inevitável) avaliação sobre outra realidade existencial que poderá (definitivamente) nos libertar ou nos dominar”. E, se dentro da realidade tudo é passível do pensar, tudo é realizável. E a comunicação é o elemento que textualiza o pensar e nos permite agir e interagir em direção às realizações. Pois bem, a que, ou a quem a Comunicação Empresarial está servindo e de que forma?
O tempo/espaço que vivenciamos, cenário de nossa existência, fundidos num único elemento e que ainda permanece indefinível, parece ser um caminho, uma estrada que se constrói enquanto se caminha. Ou pode se configurar na própria realização. Quais seriam os propósitos ocultos na trajetória humana? Talvez não nos caiba compreender ou desvendar isto, mas no sentido prático, no efeito da comunicação, agimos propositadamente, segundo nosso dinâmico sistema de valores, intencionalmente, e parece estarmos consolidando, na artificialidade característica das ações humanas, nosso inverso: o desnatural.
No sentido oposto ao nosso modus vivendi ocidental, e que de alguma forma se globalizou, o conceito taoísta expressa no conceito da “não-ação” a possibilidade de se trilhar o caminho da naturalidade, na realização não intencional ou premeditada, sem excesso ou especulação. Difícil?! Segundo o próprio conceito, “não-ação” não significa não fazer nada, ou manter-se passivo. Trata-se justamente do contrário.
A comunicação parece manifestar a realização humana, modificar e construir permanentemente e de forma cada vez mais rápida o estado de realidade. Minha despretensiosa observação sugere que, como afirmei no texto “Quem alarga os passos não caminha2”, que “a abundância de meios de comunicação e os respectivos conteúdos parece não ter conseguido nem seletividade e nem profundidade. O resultado da opinião formada tende a uma superficialidade alienante”. Uma pena. Um desperdício.
Diante disso, a proposta de uma Comunicação Empresarial, em seu sentido amplo e integrado, sem intenção, parece não fazer nenhum sentido no atual modelo social e mercadológico, parece desconstruir o sentido do que vem a ser estratégia e contribuir para a destruição de valor. Parece nem precisar existir (Marketing, Propaganda, Relações Públicas, Assessoria de Imprensa etc). Mas não se trata de retroceder o mundo a um estado primitivo. O mercado e o consumo existem e somos parte dele em causa e efeito. O mundo precisa continuar seu itinerário. E como dar continuidade a tudo isso de outra maneira? De forma mais efetiva e que eleve os níveis do pensar e do agir?
Minha reflexão procurou pautar-se, conforme propõe o modelo taoísta, pela tentativa de silêncio interior. Pode ser que haja outro caminho, natural, para a Comunicação Empresarial expressar a “não-ação” que nada deixa por realizar, de forma não intencional ou premeditada, sem excesso ou especulação, com coerência e evolução.
Pode ser que haja uma forma de realizar a Comunicação Empresarial trilhando o caminho da naturalidade, forjado pela não-ação. Poderíamos começar por rediscutir os negócios e seus modelos, colocar em prática o sentido real daquilo que apregoamos e tudo isso num contexto onde a sustentabilidade, por exemplo, se manifesta travestida de coringa, para completar qualquer canastra, mas sujá-la, ou responder qualquer questão, mas superficializá-la, ou pior, desvirtuá-la.
Como exemplo, a Sustentabilidade tem caráter transversal e não deveria ser apenas uma falácia. Não deveria ser apenas mote publicitário, que quando questionado, testado no seu limite, dentro e fora da organização, não é capaz de se sustentar. A banalização de termos como a “Responsabilidade Social” e a “Sustentabilidade” são desserviços de uma descomunicação, que não prevê transcendência e, por conseguinte, apresenta-se excludente, mesmo que o discurso se apresente e nos pareça verdadeiro. Enquanto resultado prático, uma perspectiva legítima de poder, de transformação, se perde.
A Comunicação Empresarial poderia, no aspecto da despretensão, prescrever a naturalidade da não-ação em sua mensagem, ou seja, deixar que as boas atitudes empresariais expressem o que está além da palavra, do anúncio, no exemplo, na coerência e com a possibilidade de introjetar componentes perenes na identidade corporativa. Mas, ao contrário, parece que a mensagem se rendeu ao controverso da ação empresarial, não refletindo o que a empresa de fato é.
As organizações e suas marcas poderiam ser aquilo que parecem ser, refletidas a partir da sua imagem e da sua reputação. Difícil?! Existe muito a ser feito quanto ao equilíbrio entre o que a empresa diz que é em sua narrativa e que oferece ao mercado, e como ela trata internamente seus funcionários, por exemplo.
O que também parece é que a própria sociedade está tratando de fazer essa depuração por meio de uma crescente “quietude consciente”, num movimento lento e silencioso, pois como aprendi e como se diz no interior: “boiada não faz curva de noventa graus”, mas consegue, ao seu tempo, mudar sua trajetória. Parece que a energia que temos empregado no processo de Comunicação Empresarial ainda tem gerado muito calor, mas pouca luz.
1- Texto publicado no site da Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, em 27/06/2011;
2- Texto publicado no site da Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, em 07/02/2011;
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