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Paulo Nassar
diretoria@aberje.com.br

Diretor-Presidente da Aberje - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-doutor pela Libera Università di Lingue e Comunicazione, Milão, Itália. Integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA/USP). É Coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP). Autor de inúmeras obras no campo da Comunicação.

Os coveiros dos valores

              Publicado em 02/09/2011

Copyright Terra Magazine - 03/09/2011


Nilton Fukuda/AE


Pela segunda vez, os coveiros de São Paulo entraram em greve, nos últimos três meses, deixando insepultos os nossos mortos dos últimos dias.

Durante a primeira greve fúnebre, em meu artigo de 25 de junho, denominado A visibilidade dos coveiros,  destaquei que na greve injusta sob o ponto de vista dos homens e dos deuses, os coveiros e o seu sindicato usavam para dar visibilidade aos seus pleitos trabalhistas a mesma lógica da máquina que produz e mantém as celebridades. “Celebridades tiram as roupas, fazem sexo, em frente das câmeras fotográficas e de televisão. Coveiros desrespeitam os vivos fingindo-se de meio mortos, nas primeiras páginas dos jornais”.

A morte da compaixão

A greve atual, repetida e ultrajante, revela a falência em nossos dias de valores como a solidariedade, a compaixão, a forma como nos relacionamos com as dimensões do que se considerava sagrado, do sentimento de pertencimento a uma comunidade, além da irrelevância crescente de instituições onde esses valores são tradicionalmente transmitidos e discutidos, como a Igreja, a Escola e o Estado.  Pois a morte é um momento que reúne – talvez como uma última chance – os afetos e desafetos. Não é por acaso que, em muitos rituais fúnebres, a comensalidade – o comer com - é elemento fundamental. Freados, em meio ao alucinante e veloz mercado, junto ao morto, nos comemos e bebemos; nos conversamos e relembramos sobre as nossas vidas contamos nossas histórias com o morto. Confortamos a comunidade dos afins, constituída principalmente de amigos, conhecidos, irmãos e pais.

Esse ritual de passagem inevitável, que é anterior a invenção da linguagem, é o momento em que a memória sobre o morto e sobre o seu passado se impõe ou se desfaz impiedosamente pelo esquecimento. A pior morte para os gregos era o esquecimento. E, também, para eles um dos aspectos mais ultrajantes era, pelos vivos, a não dedicação de um tempo ritual aos mortos. Lembremos que o centro da narrativa de Antígona, uma das sete tragédias de Sófocles, é dedicado a decisão de enterrar ou não Polinice. Antígona é a mulher corajosa que enfrenta o rei Creonte – representante do Estado e da Cidade, das leis do mundo ­– para sepultar o seu irmão.  Na Ilíada de Homero, a narrativa do ultraje aos mortos é representada por Aquiles, ao arrastar impiedosamente o corpo de Heitor, ao redor das muralhas de Tróia.

A greve maldita dos coveiros paulistanos vai contra a tradição ancestral de tentarmos paralisar, ou dignificar, o tempo único do adeus aos mortos. Além de ser um exemplo da corrosão cotidiana dos relacionamentos sociais, em que os mortos são cada vez mais identificados como coisas descartáveis.


Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 2032

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