Comunicação para a vida
Segundo dados da Previdência Social, de 2010, são gastos por ano no Brasil cerca de R$56 bilhões, aproximadamente 1,8% do PIB, em despesas relativas a acidentes de trabalho, apesar de a legislação e da fiscalização terem se intensificado junto aos empregadores para reduzi-los. Trata-se de um valor monetário expressivo que poderia ser aplicado em prevenção. Acredito que em razão da relevância o tema seja oportuno para uma breve reflexão sobre quanto o processo de comunicação pode ser essencial e efetivo quando o propósito é o de salvar vidas.
O trabalho é inerente à condição humana e para Braverman1, “o trabalho que ultrapassa a mera atividade instintiva é assim a força que criou a espécie humana e a força pela qual a humanidade criou o mundo como o conhecemos”. O trabalho é proposital, orientado pela inteligência, produto da espécie humana. Porém, toda atividade implica em alguma potencial forma de risco, e, conseqüentemente, em algum potencial tipo de acidente.
Minha percepção é que existe uma grande distância entre os preceitos burocráticos, que incluem as normas do governo e as normas das empresas para a realização de uma determinada atividade e o entendimento do trabalhador sobre a realização efetiva de sua atividade. A elaboração das regras e planos de execução não é construída no mesmo universo de entendimento do sujeito (trabalhador) que vai efetivamente executar. Fromm2 afirma que “o trabalho tornou-se cada vez mais subdividido em operações mínimas, incapazes de suscitar o interesse ou empenhar as capacidades de pessoas que possuam níveis normais de instrução”, portanto, alienante.
Então, quem decide pela segurança ou pela falta dela? O que se nota é que a burocracia tem servido apenas para explicar um determinado acidente, auxiliar nos encaminhamentos legais e gerar um “exercício de aprendizado” protocolar que não tem se traduzido em ações efetivas para reverter esse quadro. Mas, o acidente, em si, já aconteceu e em alguns casos alguma vida se perdeu. Conforme Moraes4, “o homem não pode ser interpretado meramente como um executor de normas e um seguidor hierárquico, mas como um construtor socialmente ativo que interfere nos status de seu meio ambiente”. Ainda não existe atividade humana, principalmente industrial, que seja à prova de operadores e mantenedores.
Habermas3, na sua teoria da ação comunicativa, afirma que o processo comunicativo contribui para o entendimento entre os sujeitos dentro do ambiente social e, em última análise, favorece a emancipação do sujeito pela construção racional dos universos: objetivo, subjetivo e social. A ação comunicativa permite que os valores sejam compartilhados e articulados, que as normas sejam elaboradas em consonância com esses valores e onde se permita seu constante questionamento e aperfeiçoamento.
Habermas3 define em sua teoria os conceitos de agir comunicativo e agir estratégico, sendo que o primeiro tem como resultante a emancipação do sujeito e o segundo tem como resultante a tutela, ou seja, o sujeito age sob propósitos construídos, quase sempre, sem a sua interação, e, portanto, muitas vezes fora do seu universo de entendimento. A tutela, associada ao excesso de burocracia são ingredientes perfeitos para o desastre largamente atribuído pelos tecnocratas ao erro humano.
Jamais haverá uma receita perfeita para se erradicar os acidentes de trabalho e suas consequências. Mas, certamente, não será de dentro dos escritórios que resolveremos esse problema. Acredito que a opção pelo diálogo (no seu sentido mais profundo) possa ser um bom começo. Torna-se urgente a reciclagem dos gestores no que diz respeito à comunicação interpessoal e seus benefícios. O sujeito (trabalhador), no mundo emancipado é aquele que tem supremacia sobre o mundo do sistema, e não é refém dele. Ele sabe o que está fazendo e os propósitos do seu “fazer”. O que significa resolver os problemas e conflitos de forma racional e em consonância com as exigências do meio ambiente (empresa).
Investir em comunicação como base para a prevenção de acidentes de trabalho pode ser infinitamente mais barato que os custos apresentados pela Previdência Social. Além disso, uma empresa sem acidentados pode otimizar outros custos marginais. Mas, de verdade, o mais importante do processo de comunicação, que privilegia o diálogo, e, portanto, adequado para a prevenção de acidentes, se deve ao fato de que a vida não tem preço.
1 BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC. 1987.
2 FROMM, E. Psicanálise da sociedade contemporânea. São Paulo: Circulo do Livro, 1984.
3 HABERMAS, J. Teoria de la accion comunicativa: complementos e estúdios previos. Madrid: Cátedra, 1994.
4 MORAES, P.M. As representações sociais de funcionários sobre o risco em uma refinaria de petróleo. Dissertação de mestrado. UNITAU, 2007.
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e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 2310
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