O Panopticon no oculista
The difficult crossing (1963), de René Magritte
As empresas enfrentam atualmente o que eu denomino guerra de narrativas. As suas histórias e estórias são transformadas pelos seus comunicadores cotidianamente em mensagens mercadológicas, operacionais e institucionais – a essas mensagens “profissionais” somam-se uma constelação de mensagens geradas no contexto das cadeias de relacionamentos ligados à gestão e aos atendimentos. Uma realidade abrangente em que todos estão relatando, em tempo real, para a sociedade e mercados sobre o que é a empresa, seu ideário, suas pessoas, seus dirigentes e produtos. Nesse embate é frequente a narrativa da empresa não concordar e concorrer com as narrativas dos outros. Para permanecer na memória dos públicos a empresa precisa criar narrativas interessantes e bem feitas. Os nhem-nhem-nhens corporativo e universitário oficiais raramente sobrevivem quando enfrentam as falas que vêm de fora dos muros das áreas de comunicação das empresas e instituições.
Uma realidade comunicacional e relacional impossível de ser compreendida pelas áreas de comunicação e de inteligência empresarial concebidas como uma sala de controle e de observação, tal qual um panopticon. Um conceito concebido pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832) e que, metaforicamente, pode ser pensado como um edifício circular, do qual os seus habitantes são observados e vigiados, pela administração assentada no centro da estrutura, sem que sejam avisados por placas de “sorria, você está sendo filmado”. Tal idéia, voltada para o controle social, se concretizou na administração e no controle cotidiano de cidades, ruas, instituições de escolas, hospitais, hospícios, prisões e empresas.
Michel Foucault (1926-1984) analisou os controles institucionais influenciados pela idéia de Bentham em seu livro “Vigiar e Punir” (1975), que se materializaram em mega-estruturas de concreto (presídios, escolas, etc) e burocracias formadas por exércitos funcionais disciplinadores. As câmeras dos satélites, os GPS instalados nos inúmeros gadgets disputados por milhões de consumidores, os códigos de barras que indicam as suas preferências mercadológicas e comportamentais.
Tudo isso e mais, são os panopticons contemporâneos e todos vigiam a todos com câmeras e gravadores disponibilizados em celulares e transformados em narrativas, instantaneamente veiculadas de forma digital nas mídias-espetáculo. A rápida chegada desses big e small brothers tecnológicos pegou a sociedade e as empresas desprevenidas em termos jurídicos, relacionais, jornalísticos e educacionais. Todos ficam petrificados quando atingidos pelas verdades ou calúnias, injúrias e difamações digitais. Os juízes com as suas togas pretas ainda legislam sobre as realidades comunicacionais gregas e romanas.
Comunicação empresarial sedentária
As estruturas de comunicação empresarial também são vítimas dessa realidade tecida de narrativas inesperadas, que se transformam em audiovisuais ou mensagens, que representam outros pontos de vista sobre as suas realidades, quase sempre estruturados no ressentimento bem-humorado. O bom-humor, o deboche, a piada em que a atingida é a empresa ou personalidade poderosa é viral. Diretorias de comunicação empresarial tentam enfrentar os discursos inesperados disponibilizados em redes sociais e na mídia tradicional com o velho panopticon da comunicação integrada, produtor de linguagem oficial, mal-humorada, ordeira, centralizadora e balizada por advogados, publicitários, comunicadores dândis e manuais infotayloristas. Ou, ainda, tentam modernizar as suas narrativas com o storytelling desencantado pelas fórmulas que transformam o depoimento de vida de empregados e consumidor em fala de marionetes. Muitas vezes, essas áreas de comunicação são literalmente sedentárias, sentadas em salas confortáveis e climatizadas, tentando monitorar gente nômade e moveholder (Nassar, 2010, pág.20)*, como os empregados, jornalistas, consumidores e uma extensa lista de infoproletários, que são os trabalhadores da informação, integrantes não só da área de comunicação.
Definitivamente, a narrativa sobre a empresa não é mais projeção das narrativas que são pensadas nas áreas de comunicação. Áreas de comunicação empresarial que não gastam metaforicamente as solas de sapato - circulando pelas inúmeras áreas da empresa, pela sociedade ou pelas páginas das diversas áreas de conhecimentos fundamentais para entender o mundo, suas esquisitices e complexidades -, não estão capacitadas para produzir narrativas que alinhem de alguma forma as pessoas ao universo da organização. A ignorância e sua irmã prepotência são produtoras de jargões e das bandeiras corporativas que fazem da comunicação empresarial brasileira uma das maiores compradores de lixo conceitual comunicacional produzido em países quebrados economicamente e moralmente. Agora é hora da libertação da cultura de manual, produtora de narrativas padronizadas e centralizadoras.
* O novo social é formado por moveholders, as partes interessadas que se agrupam em redes sociais, blogs, flash mobs, entre formas de comunicação digital e híbridas (digitais e analógicas), e que não são apreendidas pelas velhas segmentações de relações públicas, como as dos stakeholders, conceito definido por R.Edward Freeman, no século passado. (Liberdade para o net-jornalismo, Paulo Nassar, em Revista de Comunicação e Cultura MSG da ABERJE, número 6, 2010)
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