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Paulo Nassar
diretoria@aberje.com.br

Diretor-Presidente da Aberje - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-doutor pela Libera Università di Lingue e Comunicazione, Milão, Itália. Integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA/USP). É Coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP). Autor de inúmeras obras no campo da Comunicação.

A visibilidade dos coveiros

              Publicado em 24/06/2011

Copyright Terra Magazine - 25/06/2011
 


 

Alguns trabalhadores são quase invisíveis. Uma invisibilidade construída socialmente. Um desaparecimento que é conseqüência principalmente da exclusão econômica e educacional. Eles são os empregados domésticos para os quais, em muitas empresas e residências, são destinados as entradas, corredores e elevadores exclusivos. São os operários, a quem as altas direções empresariais denominam de chão de fábrica, expressão abominável, que deveria ser varrida da comunicação empresarial.

Entre esses invisíveis sociais, quero destacar o coveiro.  Aquele trabalhador, simples e braçal que sepulta, que abre covas para os defuntos. Aquele que abrirá uma cova para nos sepultar, assim, eu espero.  Um trabalhador, fortemente ligado às ideias de partida, de fim, de transição da vida humana para outra coisa.  Alguém que trabalha em um ambiente que nos inquieta a questão se há ou não vida após a morte. O coveiro está ligado, de alguma forma, a ideia de transcendência.

Antígona, personagem de uma das mais conhecidas tragédias escritas por Sófocles, foi contra as leis da cidade pelo direito de enterrar e honrar o seu irmão Polinice. Talvez, Antígona seja a coveira mais famosa da cultura ocidental. O coveiro tem a consciência de sua importância? Sobre isso, Hamlet pergunta: “Has this fellow no feeling  of the business, that sing at grave-making?”*

Os invisíveis quando ganham consciência de suas importâncias vão atrás de visibilidades mais ajustadas às suas relevâncias sociais e econômicas.   Faxineiros e lixeiros têm as suas importâncias realçadas para a sociedade quando entram em greves e deixam montanhas de lixo nas empresas e nas ruas das cidades.  No entanto, o invisível coveiro pode fazer greve?

O profano e o sagrado

Nesta semana, a imprensa paulistana destacou, a greve inédita dos empregados do serviço funerário, que reivindicavam aumento de salário, um plano de carreira e melhores condições de trabalho, deixou insepulta, por horas, mais de uma centena de cadáveres, em hospitais e casas da capital. Uma foto publicada na primeira página da Folha de S.Paulo, nesta quarta-feira, 22 de junho, mostrava um grupo de coveiros protestando dentro de covas semi-abertas, à espera de seus mortos, no cemitério de Vila Formosa, em São Paulo.

É uma foto posada, destinada a mediatizar uma chantagem sobre os vivos, fragilizados pela perda e pelo luto, com a ameaça simbolicamente poderosa de deixar os seus mortos ao relento, em meio ao inverno chuvoso, embaixo da poluição, na solidão dos quartos das casas de repouso, nas geladeiras dos necrotérios paulistanos.

Uma greve injusta sob o ponto de vista dos homens e dos deuses.  Coveiros e o seu sindicato, agora, usam para dar visibilidade aos seus pleitos trabalhistas a mesma lógica da máquina que produz e mantém as celebridades. Celebridades tiram as roupas, fazem sexo, em frente das câmeras fotográficas e de televisão. Coveiros desrespeitam os vivos fingindo-se de meio mortos, nas primeiras páginas dos jornais.     

Como se sabe, esses trabalhadores cuidam da burocracia e dos rituais de nossas partidas. Um conjunto de trâmites que juntam aspectos profanos e sagrados. Os rituais profanos ligados às últimas papeladas e despesas devem ser rápidos e respeitosos, legalizando e legitimando a desobrigação do morto de seus contratos, de suas obrigações. Os rituais sagrados tecem, no plano das crenças e dos valores, o desaparecimento de todo o protagonismo humano em direção a um mistério, quase que indecifrável.

Dentro desse contexto, a forma que os coveiros paulistanos encontraram para dar visibilidade as suas reivindicações trabalhistas, mais do que ilegal, é ilegítima. 

 

*Shakespeare, Hamlet, Ato V.


Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 3208

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