Combinado, mas me passe um e-mail para formalizar
Quantas vezes você já gastou um bom tempo do seu dia de trabalho em uma reunião ou em alguns telefonemas, explicando uma demanda ou tirando dúvidas, e ao final acabou ouvindo algo como "Estamos combinados, mas você pode me passar um e-mail falando isso tudo? É só para formalizar"?
Pronto. Trabalho dobrado e relacionamento perdido.
Inegável que alguns assuntos demandam processos formais de tomada de decisão e documentação, mas hoje muitos de nós somos obrigados a passar e-mails por qualquer motivo.
Um detalhe resolvido rapidamente ao telefone, uma conversa de corredor, acordos entre departamentos para solucionar um problema comum ou para propor inovações, tudo precisa ser documentado.
O maior sinal de que algo está errado nesta história é a caixa de entrada dos nossos e-mails corporativos. O pior é que alguns profissionais ainda alardeiam o número de e-mails não lidos como se fosse um troféu, imaginando que a quantidade de e-mails seja proporcional à importância que temos para a organização.
Não somos cruciais pela quantidade de e-mails que lemos (ou que não lemos), mas sim pelo que fazemos com estas informações, pelas análises e relações que fazemos entre os conteúdos e necessidades e por nossa capacidade de converter as inúmeras demandas em ações pertinentes.
Muito se confunde quando falamos em documentação e burocracia. O assunto piora quando migramos para a tão sonhada gestão do conhecimento.
Da mesma forma que amontoar objetos aleatoriamente não é sinônimo de construção de um centro de memória empresarial, trocar e-mails para formalizar qualquer coisa não é documentar processos ou decisões e sim inflar a máquina burocrática das empresas.
Quem pode dizer que nunca precisou de uma informação realmente importante recebida por e-mail e não conseguiu encontrá-la em meio a tantas inutilidades arquivadas em dezenas de pastas?
Para tentar ver este quadro por um outro ângulo, proponho uma analogia.
Imagine um jovem rapaz, interessado em uma moça simpática que conhece há uns bons anos. Depois de muitas risadas na roda com os amigos, ele chama a garota de lado e a convida para sair, pegar um cinema ou ir ao parque no próximo fim de semana. O que você diria se, ao invés de sim e não, ou dos clássicos rodeios, a moça dissesse "tudo bem, mas me manda um SMS para formalizar"?
Parece ridículo, ou melhor, não parece, é.
Tem horas que um sorriso diz mais do que todo aquele palanfrório do xaveco juvenil. Da mesma forma, há momentos em que um bom aperto de mão vale mais do que alguns traços rabiscados em um contrato.
Alguns dirão que o ambiente corporativo está competitivo demais para a antiga confiança na palavra. Sinto dizer, mas competitividade não é sinônimo de desonestidade. Em um grupo onde a confiança não se estabelece, ou não há abertura e relacionamento suficientes entre as pessoas ou os valores éticos já estão corrompidos.
Tome por exemplo aqueles gestores que transmitem confiança a suas equipes. Estes têm, sem qualquer sinal de dúvida, colaboradores mais motivados e leais.
Ainda haverá quem alegue que a abolição de burocracia é impraticável nos negócios. Concordo. Justamente por isso que não a condeno categoricamente. Ela tem seu papel, e como tal, tem os momentos específicos para ser aplicada.
Não se trata de reviver o mal falado “jeitinho brasileiro”, mas sim de restabelecer a confiança no relacionamento, afinal, se não fazemos isso com nossos colegas de trabalho, com os quais convivemos cotidianamente, como queremos que nossos clientes confiem em nós e em nossas palavras?
Se precisar, melhore um pouco a frase, adéque ao público, mas não deixe de dizer "minha palavra basta", quando este for o caso.
Hoje, confiar nas pessoas é um exercício diário e um processo de reeducação. Quiçá, além de restaurada, a confiança não faça parte da cultura da maioria das organizações dentro de alguns anos.
Para isso, sejamos agentes. Assim mantemos as conquistas da comunicação efetivamente estratégica e retomamos a confiança real de nossas equipes, transformando, aos poucos, o hábito corporativo.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
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