Tecnologia: use com moderação
A cena deve passar despercebida para muita gente. Eu mesma já devo ter visto aquilo antes, mas, não sei exatamente por que, o impacto desta vez foi diferente. Explico: no final de semana passado fui a uma famosa lanchonete de São Paulo. Como sempre e por motivos óbvios a casa estava cheia de crianças, o que confere ao ambiente um clima descontraído e agitado. Porém, a mesa bem ao lado da minha chamava a atenção: quatro crianças (sentadas!) e nenhuma gritaria, conversa ou interação. Ou melhor, somente uma: com a tela de jogos eletrônicos e celulares. Submersos no mundo digital, pareciam ter em mãos o único ponto de contato possível. Para o espanto ainda maior notei que os adultos presentes à mesa – ou melhor, todos eles – também estavam dentro de um universo próprio, portando seus “brinquedinhos digitais” e ignorando qualquer movimentação humana ao redor. O silêncio era absoluto.
Aquilo me causou certo incômodo. Quantas conversas estavam sendo perdidas ali? Histórias de família, de vida, de fracassos, de aprendizados. Uma discussão inteligente entre irmãos e primos, ou mesmo um carinho entre pai e filho. São nítidos os impactos sociais às crianças trazidos pela tecnologia disponível hoje. Um exemplo desta mudança de comportamento é o estudo divulgado recentemente pelo Centro Pew de Pesquisa, que apontou que metade dos adolescentes americanos envia 50 ou mais mensagens de texto por dia, e que um terço envia mais de 100 por dia. Mas apenas 33% disseram que conversam face a face com seus amigos diariamente. Vale lembrar que estas mesmas crianças serão os profissionais de amanhã.
No meio destes dados, uma conclusão possível: a tecnologia que aproxima quem está longe é a mesma que afasta quem está ao lado. Pense quantas vezes você mandou um e-mail ao seu chefe, que está sentado logo ali, em vez de falar pessoalmente sobre determinado assunto, ou quantas informações que poderiam ser dadas de maneira mais próxima e gentil são disparadas às pressas e friamente, por meio de máquinas. Quantas destas mensagens são realmente entendidas da maneira correta e quantas delas permitem aquelas saudáveis discussões e questionamentos? Tenho a impressão de que deixamos de evoluir em muitos aspectos da vida social mergulhados em um mundo formado por “pessoas-avatares” e com interações pessoais em extinção. E também certo receio ao pensar sobre a postura dos filhos que estamos criando para este mundo de raras longas conversas em família. Como eles aprenderão a viver e se relacionar coletivamente? Esta, aliás, não é só uma questão do meio por qual transita esta informação, mas também dos impactos à sua qualidade: a chamada geração Y pode ter exímias habilidades digitais, mas poucos sabem interpretar textos longos ou escrever sem abreviações.
Eu seria injusta se considerasse apenas um lado da moeda: são evidentes os benefícios das tecnologias digitais à comunicação e, sobretudo, à sociedade. Mas, como diz o velho ditado: “tudo o que é demais não presta”. Precisamos deixar um pouco de lado os deslumbramentos modernos para usufruir das coisas que só o mundo real pode proporcionar. Antes de adotarmos toda tecnologia que nos está disponível, vale uma reflexão sobre o que está sendo utilizado por puro modismo. A ânsia pelo virtual muitas vezes não nos permite tempo para avaliações do tipo: “será mesmo isso que trará os resultados que preciso?”. Quantas empresas, movidas por esta mesma ânsia, entram nas redes sociais sem nenhum planejamento e não conseguem ver os benefícios destas ferramentas? No fim o impacto acaba sendo negativo, com ações parecendo falsas.
Gostaria de poder compartilhar com vocês a cena daquela família esquisita. Logo que vi, pensei mesmo que merecia uma foto. Ia pegar o celular quando lembrei: ”meu celular não tem câmera!” Lamentei por alguns instantes. Poucos. Até lembrar que eu seria mais uma refém da tela digital. Melhor ter guardado na memória. Coisas que só o mundo real pode proporcionar.
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