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Valdeci Verdelho


Formado em Jornalismo, trabalhou como repórter e editor em jornais e revistas como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, IstoÉ e Exame.  Nos últimos anos tem se dedicado a comunicação corporativa. Entre outras atividades nessa área, exerceu por mais de uma década a vice presidência da Andreoli MSL, do Grupo Publicis, sendo responsável  pelas questões estratégicas mais sensíveis dos clientes, incluindo gestão de crise de imagem.

Além de jornalista foi ativista político, participando de movimentos sociais e sindicais por um longo período. Com essa experiência, somada à vivência em comunicação corporativa, desenvolveu competências para atuar com stakeholders das organizações, habilidade essencial em processos de prevenção e gestão de crise.

Na área acadêmica foi professor de Jornalismo na Escola de Comunicações e Arte da USP.

Atualmente trabalha na Verdelho Associados como consultor independente, com foco em projetos de construção de imagem, credibilidade e reputação.

É, também, Professor de Gestão de Crise de Comunicação no programa MBA em Gestão da Comunicação Empresarial da ABERJE – ESEG 

Fazer ou não fazer (recall). Eis a questão.

              Publicado em 16/04/2010

No mesmo dia em que analistas internacionais estimavam em US$ 5 bilhões o impacto do mega recall mundial da Toyota Motor Corp, no Brasil o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, anunciou uma multa de R$ 3 milhões contra a Fiat, como forma de deixar claro sua exigência de recall para corrigir um problema que, de acordo com autoridades brasileiras, representa risco para os consumidores. Em termos de dimensão, os dois episódios são incomparáveis. O recall exigido da Fiat, iniciado na semana seguinte à manifestação dos órgãos oficiais, aplica-se a menos de 60 mil veículos. O da Toyota chega a 8,5 milhões de automóveis em vários países. Ressalvadas as devidas proporções, os dois casos têm em comum o fato de servirem para uma reflexão sobre a questão de recall no setor.  

Previsto no parágrafo primeiro do artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.088/90), o instituto do recall não é um problema em si. Seu objetivo básico é proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança do consumidor, por meio da ação reparadora dos fornecedores sempre que houver constatação (ou suspeita) de que produtos e serviços colocados no mercado representam algum tipo de risco para quem os adquire. A lei estabelece que as empresas façam um chamamento (daí o nome recall) público, imediatamente, para comunicar sobre os problemas identificados e, principalmente, procedimentos necessários para evitar ou minimizar danos físicos ou morais e prejuízos materiais.

O que pode tornar-se um problema e até motivar uma crise de imagem é a forma como alguns executivos ignoram ou – pior - chegam a confrontar consumidores e a opinião pública em situações nas quais o chamamento dos consumidores para correção de rumo é considerado sentido obrigatório. Desrespeitar a sinalização pode levar a um desastre, como aconteceu com a Ford Motor Company nos anos 70. Um dos carros da montadora na época, lançado com o nome Pinto (isto mesmo) apresentava uma vulnerabilidade: batidas na traseira do veículo eram seguidas de incêndio e explosão, algumas delas matando motoristas ou passageiros. As autoridades americanas indicaram que havia algum defeito no tanque de combustível e notificaram a empresa sobre a necessidade do recall.

Ao invés de fazê-lo imediatamente, a Ford quis saber a opinião dos seus executivos. Um deles produziu um memorando sinistramente famoso. Sob o titulo “Fatalidades associadas com acidentes induzidos por vazamento de combustível e incêndios” foram apresentados os custos comparativos. Fazer o recall custaria US$ 121 milhões (US$ 11 x os 11 mil Pintos que estavam em circulação). Não fazer, segundo estimativas do próprio executivo, poderia resultar em 180 mortes,180 pessoas seriamente feridas e 2100 carros incendiados, além outros danos. Feita a análise, contabilizando-se todas as despesas, inclusive com funerais, o custo de não fazer o recall seria de US$ 49,15 milhões. Ou seja, bem mais barato, na visão daquele executivo, do que fazê-lo. Com base nestes cálculos, a Ford manteve o Pinto nas ruas do jeito que estava por vários anos. Até que em 1978, quando o memorável memorando já se tornara público, concordou em fazer o chamamento para os proprietários de 1,5 milhão de carro acusado de provocar tragédias.

A primeira recomendação diante do dilema do recall é ter sensibilidade para diferenciar questões de mero desempenho técnico ou estética, de situações nas quais os consumidores levantam as mãos para reclamar com dedos decepados ou mostrando certidões de óbitos de mortos em acidentes aparentemente inexplicáveis. Esta sensibilidade é fundamental para agir conforme os sinais. Há casos em que a empresa tem a liberdade de optar por fazer ou não o recall. Mas nos casos onde o sinal já está vermelho, é melhor parar para evitar a rota de colisão e evitar danos maiores.

Se um recall voluntário implica assumir custos não previstos no orçamento (eventualmente até prejuízo), aceitar perdas diversas, expor publicamente falhas de qualidade e, para desespero dos advogados, liberar a passagem para ações indenizatórias, o recall obrigatório custa mais caro porque, em geral, impacta também um ativo de valor inestimado, que é a reputação da empresa.

A venerada Toyota, por exemplo, teve de se curvar ao mundo quando se deu conta de ter avançado o sinal. Seus executivos não abriram os olhos diante das advertências das autoridades internacionais. Tentaram jogar o problema embaixo do tapete e - não se pode afirmar, mas é possível supor -  adotaram uma postura muito comum em corporações globais, que tendem a superestimar seu poder e ignorar outros poderes, como dos consumidores, das autoridades regulatórias e, sobretudo, da opinião publica. Agora a Toyota tem pela frente uma crise como nunca antes se viu na sua história.

No Brasil, onde o recall de automóveis bateu recorde no ano passado com 39 convocações, segundo fontes do Ministério da Justiça, não há registro de trombadas das montadoras locais em relação a este assunto. O Código de Defesa do Consumidor é recente, os órgãos fiscalizadores acompanham a lentidão da administração pública e sem o mesmo aparato tecnológico da indústria, os caminhos do judiciário vivem congestionados, o lobby do setor é potente, e a única iniciativa da sociedade civil reunindo vitimas das empresas montadoras e concessionárias automotivas, ainda tem pouco tempo de estrada.

Isto, porém, não é garantia de caminho sem obstáculos pela frente. A Fiat, ao reagir à decisão do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, classificou o episódio de inusitado. Sem entrar no mérito da disputa Fiat x DPDC, uma coisa é certa: as empresas precisam estar preparadas para os acontecimentos que causam surpresa, eventos fora do comum e não usuais. Este é um grande desafio que se coloca para elas na atualidade.  As transformações na sociedade estão ocorrendo de forma muito acelerada, principalmente no meio ambiente, no plano social, nos direitos coletivos e individuais, incluindo os dos consumidores, e tendem a fazem emergir cada vez mais as situações até então desconhecidas. Algumas delas, dependendo de como sejam tratadas, podem causar danos de imagem e abalroar a reputação até de quem se considera inabalável.


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