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Valdeci Verdelho


Formado em Jornalismo, trabalhou como repórter e editor em jornais e revistas como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, IstoÉ e Exame.  Nos últimos anos tem se dedicado a comunicação corporativa. Entre outras atividades nessa área, exerceu por mais de uma década a vice presidência da Andreoli MSL, do Grupo Publicis, sendo responsável  pelas questões estratégicas mais sensíveis dos clientes, incluindo gestão de crise de imagem.

Além de jornalista foi ativista político, participando de movimentos sociais e sindicais por um longo período. Com essa experiência, somada à vivência em comunicação corporativa, desenvolveu competências para atuar com stakeholders das organizações, habilidade essencial em processos de prevenção e gestão de crise.

Na área acadêmica foi professor de Jornalismo na Escola de Comunicações e Arte da USP.

Atualmente trabalha na Verdelho Associados como consultor independente, com foco em projetos de construção de imagem, credibilidade e reputação.

É, também, Professor de Gestão de Crise de Comunicação no programa MBA em Gestão da Comunicação Empresarial da ABERJE – ESEG 

Vigiar e punir

              Publicado em 01/04/2015

O nefasto conluio entre agentes públicos corruptos e agentes corporativos corruptores é um problema mais profundo que as camadas de pré-sal da Petrobrás e, para consolo ou desespero dos brasileiros, não se trata de um produto genuinamente verde-amarelo. Oferecer dinheiro, presentes, viagens e favores escusos a representantes de governos em troca de contratos de prestação de serviços, acesso a mercados e outras ilicitudes competitivas é usual em diversos idiomas e patrocinadas, inclusive, por corporações que zelam pela sua reputação.

Este ano, por exemplo, a Goodyear foi a primeira empresa penalizada pela SEC (Securities and Exchange Commission) por violação ao FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) a bíblia anticorrupção americana. A tradicional fabricante de pneus derrapou feio no Kenya e em Angola, onde as subsidiárias locais foram acusadas de pagar US$ 3,2 milhões em propinas para funcionários de empresas públicas e privadas locais entre 2007 e 2011. De acordo com a SEC isto resultou num lucro ilícito de US$ 14 milhões, que agora a Goodyear Tire & Rubber Company terá de devolver acrescido de juros de US$ 2 milhões. Ao tomar conhecimento dos problemas naquele continente, a empresa decidiu vender a sua participação acionária no negócio queniano e está em processo de venda da empresa angolana.

Das várias empresas que tiveram de acertar contas milionárias publicamente com o Departamento de Justiça americano no ano passado por meio da SEC ou do FBI, quatro delas são bem conhecidas no Brasil: Alcoa, Avon, HP e Alstom. A conta mais pesada ficou para a francesa Alstom, que se declarou culpada e assumiu uma multa de US$ 772 milhões para resolver acusações relacionadas a um esquema envolvendo dezenas de milhões de dólares em subornos, que as autoridades americanas classificaram de “surpreendente na sua amplitude, sua audácia e as suas consequências em todo o mundo”.

A Alcoa declarou-se culpada e vai pagar US$ 384 milhões para se redimir de violações em que suas subsidiárias subornaram autoridades, incluindo membros da família real, no Bahrain, uma ilha no golfo pérsico, para ganhar um contrato de fornecimento de alumínio. A Avon teve de pagar US$ 135 milhões à SEC por causa de negócios malcheirosos na China. E a HP fez acordo para pagar US$ 108 milhões para encerrar ações decorrentes de acusações de corrupção na Rússia, Polônia e México. Mencionado uma trama que soa familiar aos brasileiros atualmente, um procurador do Departamento de Justiça americana relatou que: “subsidiárias da Hewlett-Packard, cúmplices ou intermediários criaram um caixa dois para pagamentos de propinas, estabelecendo uma intrincada rede de empresas de fachada e contas bancárias para lavar dinheiro, utilizando dois conjuntos de livros para registrar os destinatários de suborno, contas anônimas de e-mails, telefones celulares pré-pagos para organizar reuniões secretas, e entrega de sacos de dinheiro".

A FCPA foi aprovada em 1977, depois do mais rumoroso caso de suborno envolvendo uma empresa americana, a centenária  Lockheed Martin, que admitiu ter pago propinas a altas autoridades de países para quem queria vender seus aviões nos anos 70, como o  ministro da defesa da Alemanha e o primeiro ministro do Japão,  numa época em que isto não considerado ilegal perante as legislação americana.

Desde que passou a tratar corrupção com ao FCPA nas mãos, a SEC registra ações contra mais de 10 dúzias de empresas que violaram as normas. Ao punir a Alstom com a multa de US$ 772 milhões, o representante do Departamento de Justiça considerou o caso emblemático de como pretende investigar e processar casos de corrupção e outros crimes corporativos. O procurador geral prometeu incentivar as empresas a manter programas de compliance, erradicar a má conduta nas organizações e cooperar com as investigações. Mas advertiu que com cooperação, ou sem ela, será implacável e usará todos os recursos possíveis contra as corporações e os indivíduos envolvidos.

Desde 2009 mais de 50 pessoas foram condenadas e cerca de 50 empresas pagaram mais de US$ 3 bilhões em multas e confiscos em decorrência de ações criminais contra a corrupção. Para aumentar o cerco, recentemente o FBI anunciou a criação de três esquadrões dedicados a combater esta forma de criminalidade.

Em seu livro Vigiar e Punir, o filósofo Michel Foucault, quando trata da história da sociedade, diz que  “(...) a passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude faz parte de todo um mecanismo complexo, onde figuram o desenvolvimento da produção, o aumento das riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações de propriedade, métodos de vigilância mais rigorosos, um policiamento mais estreito da população, técnicas mais bem ajustadas de descoberta, de captura, de informação: o deslocamento das práticas ilegais é correlato de uma extensão e de um afinamento das práticas punitivas”..

Para Foulcault, ”(...) o prejuízo que um crime traz ao corpo social é a desordem que introduz nele: o escândalo que suscita, o exemplo que dá, a incitação a recomeçar se não é punido, a possibilidade de generalização que traz consigo. Para ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime, entendidas como a série de desordens que este é capaz de abrir”.

Isto, talvez, esteja servindo de inspiração para os novos esquadrões anticorrupção do FBI e, quem sabe, para o juiz Sergio Moro e seus aliados que tentam estancar os poços que jorram propinas no Brasil.


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