Controle platônico
Já ouvi muitas pessoas debaterem e criticarem diversas questões do meio empresarial, mas até hoje não ouvi pessoa alguma dizer que sua empresa é platônica demais.
Explico. Como bem lembra o Prof. Dr. Massimo Di Felice*, “a inclinação popular para opinar a respeito de cada assunto era associada por Platão à natural tendência das massas de infringir as leis”.
Desnecessário reforçar que este pensamento ainda é reproduzido diariamente.
Pergunte-se quantas vezes você já ouviu alguém falar em mensurar as mídias sociais digitais.
Então alerte-se para o fato de que, por vezes, enquanto uns falam de mensurar, observar, compreender e fazer parte, outros querem entender as formas de controlar seus interlocutores.
E por qual motivo? Pode parecer um pouco absurdo, mas ainda existem os que, por manterem os mesmos traços do pensamento platônico, acreditam que dar voz aos públicos é incentivar a anarquia e a infração das políticas corporativas.
Aí você me dirá que conhece muitas empresas onde isso é diferente. Modelos de gestão que reconhecem o colaborador, deixando que ele apareça no jornal da empresa, que faça algumas perguntas e deposite na caixa de sugestões.
Mas que voz tem o colaborador, de fato?
Ele pode participar do planejamento estratégico da companhia? Ou da redefinição periódica da Missão, Visão e Valores da empresa? Tuitar sobre a sua viagem de negócios ou sobre os clientes que visitou durante o seu horário de trabalho?
São tantas perguntas que vale pensar qual delas te provocou mais.
Fato que todo colaborador tem potencial para contribuir com o planejamento estratégico da corporação, tanto quanto tem a própria sociedade, clientes, fornecedores, etc.
Por fim, tuitar durante o dia? Durante as horas de trabalho que você vendeu? E como fica o sigilo empresarial, a confidencialidade profissional?
Chegamos num ponto interessante. Muitas empresas, mesmo buscando a liberdade de expressão e a multiplicação das vozes, esbarram no juridiquês dos riscos de permitir acesso às mídias sociais digitais durante o horário de trabalho.
Isso por conta da chamada segurança da informação, dizem. Mas aí dorme a inocência.
Em um dado momento, na gana de garantir a longevidade do negócio, o colaborador é proibido de utilizar diversas mídias durante seu trabalho. Esta proibição acaba sendo uma aceitação silenciosa de que os colaboradores colocariam suas empresas em risco por vontade própria.
A partir daí, muito do que poderia ser conquistado com colaboradores socialmente ativos e participantes é perdido, pois criamos mais um entrave em seu processo comunicativo.
Proibir é mais fácil do que educar, mas pode ser, também, menos efetivo.
Enquanto a cultura digital não chega de modo contundente em toda a estrutura de poder das organizações, dificilmente o colaborador será educado sobre os limites que deve manter entre o profissional e o pessoal.
Como bem diria @carolterra, quando um colaborador fala de sua empresa no Twitter, conta de uma promoção que está a caminho, ele não está querendo comprometer a estratégia corporativa, mas sim, mostrando seu orgulho.
Isso nos mostra que precisamos pensar demoradamente sobre estas questões e criar políticas claras, além de dar subsídios para que nossos colaboradores mantenham sua paixão pelo que fazem, seja dentro ou fora das mídias sociais digitais.
Há casos, sim, onde há malícia e onde há exposição da empresa por parte de alguns colaboradores insatisfeitos, mas isso acontecerá com ou sem o consentimento da empresa. Logo, aceitar que os tempos mudaram é um dos primeiros passos a serem dados. Pois a exposição de todas as ações da empresa ou de seus profissionais já suplantou, há muito, o que imaginávamos na década passada.
Nada neste texto é absoluto. Este é um agrupamento de novos questionamentos que ainda estão sendo feitos para cada um de nós, profissionais de comunicação. Mas aqui volta a dúvida maior. Somos ou não somos platônicos? Estamos, de fato, valorizando as vozes das organizações?
Com tantos celulares operando com banda 3G e ainda tantas formas de anonimato na rede, será uma proibição categórica que impedirá uma política mal-definida ou uma ação mal-pensada de conquistar seu espaço nas mídias virais? Ou seja, os reflexos já estão por aí, e nós, comunicadores, não podemos ser omissos. Devemos ser estratégicos e influenciar toda a organização a rumar por estes novos caminhos, cada empresa à sua medida.
*Felice, Massimo. Do público para as redes. P.33. Difusão Editora. 1ª edição. São Caetano do Sul. 2008.
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